Jornal O Alarme recordado na imprensa francesa
9 de novembro, 2022
50 anos depois, ainda precisamos de Alarme para nos alertar
Por Artur Monteiro
Há 50 anos em Grenoble, nasceu O Alarme!..
Esta é uma crónica de recordação! No bairro de La Plaine de St Martin-d’Hères, em Junho de 1972, um grupo de trabalhadores imigrantes portugueses (económicos, políticos, desertores) decidiu lançar um jornal, O Alarme!.. – jornal dos portugueses da região de Grenoble – um jornal de alerta e resistência!
“O ’Alarme” foi publicado de julho de 1972 a dezembro de 1975 (37 números). Resultado de uma redacção de trabalhadores-militantes-jornalistas, animada por Manuel Branco, refugiado em França desde 1966.
Hoje, numa edição de aniversário, recorda-se que este jornal “foi um amigo que nas noites escuras mobilizou, animou e uniu milhares de portugueses que lutavam contra o fascismo e a guerra colonial’’.
O primeiro número surgiu em julho, com a intenção de que os imigrantes portugueses o levassem na bagagem quando partissem nas férias de agosto, sabendo que em Portugal, sob o regime de Salazar, não era publicado nenhum jornal, sem a menção, “visado pela censura”. A liberdade de expressão não existia e era reprimida pelo regime.
Foi assim que participou na conscientização e mobilização da comunidade migrante portuguesa sobre a realidade da ditadura e da guerra colonial, tendo um papel importante no apoio aos desertores. O Alarme foi também uma voz, um meio de informação, sobre as condições de trabalho em França dos imigrantes (económicos, políticos) portugueses e de outras nacionalidades.
Apoiado por ativistas antifascistas e personalidades do mundo político e intelectual francês, o nome de Jean-Paul Sartre, como diretor de publicação, também contribuiu para isso. Todos os jornais publicados em França deviam ter um editor de nacionalidade francesa. A Comunidade Portuguesa tinha uma série de jornais voltados para a imigração, mais ou menos periódicos, distribuídos nas associações e mercados frequentados pelos trabalhadores portugueses.
Desde o primeiro número o jornal foi distribuído noutras cidades de França e noutros países onde se organizavam militantes antifascistas portugueses. Neste n°38, 50 anos depois, constam histórias e memórias de resistentes que atravessaram os últimos anos da ditadura fascista portuguesa. Uma referência ao ODTI (Observatório da Discriminação e Territórios Interculturais), lei de associação 1901 criada em Grenoble em 1970, ao Tino Flores, activista e cantor militante na imigração, ao Helder Costa, refugiado, encenador ontem em França hoje em Portugal ,ao José Vieira, documentarista que filmou extensivamente sobre a história da imigração e muitos outros.
50 anos depois, ainda precisamos de Alarme para nos alertar…
“Celebrar”, hoje, que sentido tem? Além da necessidade de recolher as nossas memórias, de transmitir a luta de ontem aos jovens de hoje, é também alertar, como um Alarme!… porque as razões de ontem, sob outras formas, continuam presentes.
O contexto das guerras em África mudou, mas, e atualmente na Europa, persistem os mesmos processos de exploração que estruturam os conflitos armados.
E se a democracia se estabeleceu graças à revolta dos Capitães de Abril e à vontade popular em Portugal, a sua fragilidade é grande e a crise democrática cá e lá está presente. Até se pode dizer que o sistema económico vigente, dentro e fora do país, é por vezes incompatível com uma “democracia” para a maioria da população, como se o capital financeiro e os interesses dos superpoderosos tivessem criado uma “democracia” à sua imagem.
… e uma extrema direita que espia!
E contando com o perigo da extrema direita que, como em França, também se ativa em Portugal.
A tirada racista há dois dias na Assembleia Nacional francesa de Grégoire de Fournas, deputado lepenista, recorda a do primeiro deputado português de extrema-direita, André Ventura, que, em janeiro de 2020, disse a uma deputada negra para “regressar ao seu país de origem” (Joacine Moreira nascida na ex-colónia da Guiné-Bissau), por ter defendido a restituição de obras de arte às ex-colónias portuguesas. “Proponho que a própria deputada Joacine seja mandada de volta ao seu país de origem. Seria muito melhor para o mundo inteiro”, declarou o deputado. A extrema-direita tinha um eleito em 2019 e obteve 12 lugares nas eleições de janeiro 2022. A progressão lusitana recorda também a das eleições legislativas em França.
A solidariedade entre os imigrantes de ontem (dos quais o Alarme foi um dos atores) e os de hoje, é nosso compromisso, mas também a mobilização necessária para nosso futuro.
ARTUR MONTEIRO
Artigo publicado inicialmente no Club Mediapart /
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Ilustrações complementares e edição SF