14 de Outubro, 2024

   Ulrich Beck (Foto: Reprodução)

OPINIÃO |  por Nelson Anjos

Ulrich Beck, autor de A Metamorfose do Mundo – Como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade, foi acometido de morte súbita – ataque cardíaco – em 2015, quando trabalhava no seu livro. A que a sua companheira e colaboradora deu a forma final com que chegou ao público leitor.

       Para Beck, a metamorfose do mundo – o tempo que nos é dado viver – é uma malha de múltiplas metamorfoses que se verificam em todos os domínios da existência, sem plano prévio e sem estratégia:

“(…) A metamorfose do mundo é uma coisa que acontece; não é um programa. A “metamorfose do mundo” é uma expressão descritiva e não normativa.

(…) Não é intencional, programática e ideológica, e não é travada, mas, ao invés, impelida pela inação política. Não emerge dos centros da política democraticamente legitimada, mas decorre – como um “efeito secundário” social e juridicamente construído – dos cálculos de lucro da economia, dos laboratórios de tecnologia e da ciência. (…)”

       Entre as muitas que o autor aborda, uma das áreas mais facilmente percecionáveis pelo grande público é a metamorfose das novas parentalidades:

“(…) Isto dá origem (independentemente das intenções e do entendimento dos médicos especialistas em reprodução) a opções historicamente novas e até então desconhecidas, e também a categorias sociais, da maternidade e paternidade: “mães sociais”, que “encomendam” e “compram” um filho; “doadores de esperma” e ”doadoras de ovos” que vendem os “materiais” biológicos para “fazer” um filho; “mães substitutas” que carregam a criança; “mães sem pai”; “pais sem mãe”, mulheres “grávidas” após a menopausa; “pais homossexuais”; “mães lésbicas”; mães e pais cujos parceiros estão mortos (há muito); avós que têm um neto concebido após a morte do filho ou da filha; e assim por diante. (…)”

       Para clarificar a sua ideia o autor compara a metamorfose com outras experiências de mudança profunda que o homem já experimentou ao longo da sua história. Como por exemplo a “época axial”, de que fala Jaspers. Centrada entre os anos oitocentos e duzentos antes de Cristo, em que o espírito humano produziu as grandes religiões e o pensamento sistematizado dos grandes filósofos, na Grécia antiga. Ou os momentos revolucionários, como a Revolução Francesa. Mas, na visão de Ulrich Beck, a metamorfose está para além de tudo isto.

“(…) As alterações climáticas não são alterações climáticas; são mais que isso e uma coisa muito diferente. São uma reforma dos modos de pensamento, dos estilos de vida e dos hábitos de consumo, da lei, da economia, da ciência e da política. (…)”

       Outro dos domínios onde o abalo silencioso da metamorfose vai abrindo brechas, na perspetiva de Beck, respeita ao protagonismo decrescente do estado-nação e à inércia dos seus instrumentos de governo, para lidar com os novos cenários criados pela sociedade de risco global, em favor da CIDADE:

“(…) Não fazer nada ativamente é a estratégia política mais barata, mais poderosa e mais barata para “simular” a controlabilidade de riscos incontroláveis e de catástrofes em aberto, como a radiação e as alterações climáticas.

(…) Dada a resistência dos Estados-nação à colaboração transfronteiriça e à política cosmopolita, é importante “virarmo-nos para a cidade”, tanto em termos epistemológicos como políticos, a fim de descobrir ou estabelecer instituições alternativas para comunidades cosmopolíticas de risco partilhado abordando os múltiplos problemas de uma modernidade cosmopolizada sem perder a democracia que os Estados-nação tradicionalmente garantiam.

 (…) A humanidade começou o seu caminho aventuroso rumo à política na “polis” – a cidade.

        Descendo à terra – à nossa – seria desejável que, por cá, desde logo a nível autárquico, para além de listas de caras alternativas, novas formas alternativas de instituições e de governo, e de políticas, fossem ensaiadas pelos chamados “movimentos independentes”, que muito saudavelmente se procuram distanciar do lamaçal partidário; – essa venerável peça de arqueologia social da primeira revolução industrial (já vamos na terceira) que se mantém igual à forma com que nasceu. Para que a metamorfose da democracia não resulte em extrema-direita, num qualquer dos seus diversos heterónimos.

nelson anjos

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