EXÍLIOS NO FEMININO – Afinal que livro é este?
Opiniões, protagonistas e roteiro das apresentações públicas (6) | LOULÉ
O que diz Lídia Soares?
De alguma forma todos nós somos exilados. Nascemos, vivemos e morremos num mundo que é só nosso e onde temos de nos proteger das agressões dos outros. Vivemos a revolta de nos sentirmos sozinhos perante as injustiças e as correções que desejaríamos ver introduzidas para que a família humana seja mais equilibrada nos direitos, deveres e solidariedades.
Num mundo, mesmo nos países mais desenvolvidos, em que a igualdade do género está longe de ser atingida e onde a escola continua a ser reprodutora das desigualdades, poucos, muitos poucos, tomaram consciência das suas limitações e tiveram coragem para se libertar. Porém, é preciso mais que coragem quando se pretende, com a libertação, usufruir de uma aprendizagem que contribua para um despertar de consciências perante as injustiças e desigualdades e faça dos percursos uma arma para o conhecimento e libertação dos outros. Amélia Resende, Beatriz Abrantes, Fernanda Oliveira Marques, Helena Cabeçadas, Helena Rato, Irene Pimentel e Maria Emília Brederode Santos conseguiram isso. E tiveram a coragem de o dizer de forma desassombrada, de lutar e continuar para que as consciências se despertem e as sociedades se harmonizem.
“Exílios no feminino” conta-nos as estórias de 7 Mulheres que, antes do 25 de Abril, saíram do seu País e viveram no exílio que, Helena Cabeçadas, descreve assim: ” (…) penso que a experiência multicultural e de marginalidade que vivi no exílio, ao longo de dez anos, me capacitou para compreender melhor a realidade das vivências das populações com as quais trabalhei, em geral marginalizadas e com dificuldades de inserção social. Isto porque o exílio é sempre uma experiência de marginalidade. Adorno dizia: «O exílio é sempre uma experiência de mutilação» – o meu caso não terá sido tão dramático como o dele, fugido à perseguição nazi, mas não deixou de ser uma experiência singular e difícil” (pág.212).
Exílios no Feminino” é, por isso, e não só, uma obra coletiva de leitura obrigatória pela análise sociológica nela contida e pelos problemas do passado que o presente continua a não corrigir.
Lídia Soares
IMAGENS DA APRESENTAÇÃO NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE LOULÉ
A sessão contou a presença de várias instituições e entidades do concelho com destaque para o Presidente da Assembleia Municipal de Loulé Carlos Jorge dos Santos Silva Gomes, da Vice-Presidente da Câmara Municipal de Loulé Ana Isabel Carvalho Machado e da deputada municipal Ana Luísa Poeta Simões que foi co-organizadora da sessão com a Associação de Exilados Políticos Portugueses.
Na animação da sessão estiveram a apresentadora do livro Priscila Soares e 3 coautoras, Amélia Resende, Beatriz Abrantes e Fernanda Marques que foi a coordenadora do projeto Exílios no Feminino.
Ana Poeta juntou-se à Mesa da Tertúlia na fase do debate com o público.
Priscila Soares apresentou o livro aos participantes na sessão
Sessão de apresentação do livro Exílios no Feminino em Loulé
por Amélia Resende
Começou por ser feita uma apresentação exaustiva pela professora/ investigadora Priscila Soares que de uma forma minuciosa percorreu as narrativas de cada uma e de todas as autoras, salientando as situações que a tinham impressionado mais: gestos de coragem, hesitações, medos, realizações.
Em seguida houve debate iniciado através de perguntas quer da apresentadora, quer do público.
1- Primeira questão
Voltaria a fazer a mesma coisa?
Vários registos surgiram.
Fernanda. Voltaria, mas há duas ou três coisas, que me ficaram: a partida, o desenho da curva do comboio que perto de Vilar Formoso deixava o país para trás e o pensamento- quando é que eu vou voltar, não vou ver isto nunca mais…e lá, as saudades do sol, do mar, dos amigos, da família..
Ainda a mágoa do tempo não recuperável em que deixei de acompanhar os filhos, na difícil tarefa de conciliar militância política com maternidade…
Beatriz. Voltaria a fazer a mesma coisa, com excepção de duas ou três pequenas coisas…
Vê-se no rosto que ela foi mesmo aquela formiguinha laboriosa que por trás do palco batia os textos que levavam as razões da luta a todos aqueles a quem foi preciso chegar..
Amélia. Voltava, voltaria a fazer tudo, porque não obstante as dificuldades materiais e outras, abriu- se um outro mundo para mim.
2 – Segunda questão
E o livro? A escrita destas narrativas, o que lhe trouxeram?
Amélia. O reforço das minhas convicções. Afinal eu tinha razão quando decidi partir. Tornei- me uma pessoa muito mais rica, mais livre. É importante pensar fora da caixa. Há vida para além disso.Importante assumir as suas diferenças. Contrariar o que é esperado de nós, se isto não nos corresponde, sacudir a normalidade que ainda hoje nos enforma. Portugal ainda sufoca de certa forma, embora já se possa respirar.
Fernanda. A liberdade é um bem inegociável. Liberdade é respirar. É a condição primeira.
Este livro pacificou-me. Colocou as coisas no lugar.
Amélia. Subscrevo.
Só há liberdade a sério quando houver paz, pão, habitação…
3 – Terceira questão
Como foi a escrita deste livro?
Foi por vagas. Por temas. Por momentos. Por exemplo, o momento do click. Quando nos começámos a aperceber do país real e desejámos a mudança. E os outros. Desenvolvemos as nossas narrativas em ondas. As origens. O click. A partida. Os exílios. E todas avançávamos nessas ondas. Essa partilha colectiva foi feita com escuta, ouvindo cada uma e todas com tempo e surpreendendo-nos mutuamente com tantas semelhanças e algumas diferenças. Criámos essa atmosfera de intimidade, de confiança, onde reflectíamos e confidenciávamos.
Depois mais tarde, houve o trabalho individual. A ideia agora era debruçarmo-nos sobre cada momento da nossa narrativa e analisá-la sob três aspectos: o olhar feminino, as relações de poder e a interculturalidade. E como essa reflexão solitária nos ajudou a aprofundar a nossa própria experiência, a colocar em perspectiva os dados da memória.
Foi este processo de construção do livro que desvendámos juntos da nossa audiência, tornando transparente para eles um processo que até ali era só nosso. Pontes. De novo criámos pontes. E provavelmente criámos o estímulo para eles próprios/ elas próprias fazerem o mesmo.
A utilidade e o interesse deste tipo de actividade.
4 – Quarta questão
Que conselho dariam vocês á milha filha?
Pergunta feita por um jovem pai acompanhado pela filha de 8 anos de idade. Sintetiza bem a importância deste debate.
É a experiência das nossas lutas e dos nossos percursos que pode conter alguma matéria que deve ser passada ás novas gerações.
5 – Quinta pergunta
Como afrontaram vocês os poderes?
Portanto, concluindo: estas apresentações são úteis porque a partir do livro e á volta dele surgem as questões de todos os tempos: como reagir à opressão, ao conformismo, como querer um mundo novo para si e para os outros, como descobrir formas de realização pessoal e colectiva.
Por outro lado, o testemunho em primeira pessoa das narrativas encoraja o diálogo e suscita as histórias comparativas dos outros. Ao libertar- se a palavra, é um primeiro gesto de mudança que ocorre. Mudança para o público e para as autoras, que desafiadas com novas questões se reinventam. Estamos a falar de dinâmica. De dinâmicas. De empatia.
VÍDEO COM IMAGENS DA JORNADA
O livro em Loulé
Fotografias e imagens © Carlos Ribeiro / caixamédia