Exils au féminin, a voz das autoras no Luxemburgo [3]
Na sessão no CDMH em Dudelange as autoras dos textos do livro presentes partilharam as suas motivações
Na sessão de apresentação do livro Exils au Féminin no CDMH, depois das intervenções institucionais, entrou-se num registo quase informal no qual as intenções de debate com o público foram dominantes. Reproduzimos as comunicações escritas de Fernanda Marques e de Helena Cabeçadas. Associamos ainda a síntese, à posteriori, da intervenção de Amélia Resende que, como Irene Pimentel e Maria Emília Brederode Santos, interveio de improviso.
Por sua vez Heidi Martins, coordenadora de projetos no CDMH, apresentou as motivações do Centro de Documentação sediado em Dudelange, para ter assumido a edição deste livro em francês em articulação direta com o editor-organizador dos conteúdos e autor do livro e das autoras dos textos da versão portuguesa.
Heidi Martins na tribuna e Helena Cabeçadas com Maria Emília Brederode Santos na sessão de Dudelange.
Fernanda Marques
Gostaria, antes de mais, e em nome de todos e de todas que participaram neste projeto, agradecer ao Centre de Documentation sur les Migrations Humaines e ao António Paiva a iniciativa de dar a conhecer o livro por nós construído e que testemunha um período negro da história portuguesa em que, ao longo de 50 anos, uma ditadura oprimiu e esmagou o povo português.
Longe de nós, quando em 2020 lançámos mão deste projeto, pensar que apenas 4 anos depois as nuvens negras da guerra, do autoritarismo, da xenofobia, do racismo, do retrocesso nos costumes e no estado social cobririam a Europa.
Este livro não é hoje pois um livro de memórias, não é um livro sobre factos passados. É um livro de alerta para o presente e o futuro. É um livro que nos questiona sobre se queremos abrir mão de tudo o que conquistámos ao longo das últimas décadas e viver na escuridão.
Eventualmente a maioria dos que hoje aqui estão não sabe o significado do que é viver numa ditadura. E muito menos sabe o que é decidir lutar contra essa ditadura. Essa é uma decisão que não tem retorno. Todos os dias acordas sabendo que podes ser preso e torturado ou obrigado a deixar o teu país.
O que vão encontrar no “Exils au Féminin”?
Não são 7 narrativas individuais, mas 7 vidas entrelaçadas por 3 anos de reflexão coletiva que refizeram e aprofundaram memórias.
Não vão encontrar heroínas.
Vão encontrar 7 jovens mulheres que ilustram a diversidade de circunstâncias, de motivações e de percursos de exílio comuns a um número indeterminado de jovens mulheres portuguesas nos anos 60/70.
Vão encontrar a diversidade de motivações e circunstâncias que levaram a juventude portuguesa a abandonar o seu “país” e a procurar noutros países um refúgio seguro para continuarem a luta contra o Estado Novo e a Guerra Colonial.
Vão encontrar 7 estórias que ilustram a importância do exílio no desenvolvimento da consciência política e da militância na luta por um Portugal democrático.
Vão poder constatar a importância que o exílio destas jovens mulheres teve na sua preparação para uma participação ativa na construção da democracia do Portugal de Abril em que este ano comemoramos 50 anos de liberdade e luta.
Vão conhecer o trabalho diário, persistente e continuado que as mulheres exiladas desenvolveram junto das comunidades imigrantes na consciencialização política, na alfabetização, na luta contra o machismo, no apoio a desertores e refratários que recusaram a guerra colonial, no direito ao próprio corpo e ao planeamento familiar.
É por isso que hoje, em que muitos se estão a deixar embalar pelo canto de sereia das propostas da extrema-direita, vos convidamos a ler a nossa modesta contribuição para uma defesa firme e unida da democracia.
Amélia Resende, Irene Pimentel, Fernanda Marques [no uso da palavra], Helena Cabeçadas e Maria Emília Brederode Santos.
Helena Cabeçadas
Por que concordei em participar deste projeto?
Já tinha escrito, há cerca de dez anos, um livro sobre a minha experiência de exílio, “Bruxelas, Cidade de Exílios” – um exílio que durou 10 anos, na Bélgica, de 1965 a 1974, para ser mais precisa – era então uma jovem de 17 anos…que já tinha sido detida pela polícia política de Salazar e expulsa de todas as escolas de Portugal. Isso significa que eu já tinha, portanto, refletido um pouco sobre o que foi, para mim, tornar-se mulher nas condições do exílio.
E, ainda assim, este projecto de escrever um livro sobre o mesmo assunto, com outras mulheres que viveram experiências semelhantes à minha, em diferentes países, entusiasmou-me imediatamente. Porque não foi só um exercício de memória individual, feito por cada uma no seu cantinho, o que eu já tinha feito. Foi algo mais dinâmico: reunimos-nos, entre mulheres, e conversámos, trocámos ideias, tentámos entender o que nos uniu e, também, o que tornou as nossas experiências de vida tão diferentes.
Fiquei também curiosa, talvez por ser antropóloga, em tentar perceber como a cultura dos nossos países de acolhimento nos influenciou – no nosso caso, França, Bélgica, Suíça, Suécia, Argélia e Brasil – não só durante a nossa estadia, mas também após o nosso regresso a Portugal.
E como houve a pandemia e estávamos confinados em casa, tivemos tempo para conversar à vontade, umas com as outras, através do Zoom: como acordámos para a política, como tomámos consciência da injustiça, da opressão de um regime ditatorial e porquê tomámos a decisão de lutar contra este regime, apesar dos riscos de prisão, tortura, exílio… mas não falámos apenas de política, falámos também das nossas experiências mais íntimas, da sexualidade, do aborto, da maternidade, das relações com os nossos companheiros , o machismo, as dificuldades e alegrias de ser mulher…
Tenho certeza que, se houvesse um homem entre nós, o desfecho deste livro teria sido bem diferente – porque os homens não gostam de falar sobre seus sentimentos, suas emoções, isso assusta-os. Eram conversas longas, nossas, que às vezes duravam horas…
Tratava-se também de tentar compreender como a experiência do exílio marcou o nosso percurso, a nossa história de vida, mesmo depois da revolução de Abril. O facto de ter vivido esta experiência de marginalidade – porque o exílio é sempre uma experiência de solidão, de carência (de família, de amigos, de sol, de paisagens, de cheiros, de sabores…do campo, da infância ) – permitiu-nos compreender melhor, tenho certeza, o mundo dos excluídos, dos condenados da terra segundo a magnífica expressão de Frantz Fanon.
Mas o exílio também nos permitiu, pelo menos no que me diz respeito, a descoberta de novos espaços de liberdade e de solidariedade – e isto é inesquecível e muito enriquecedor.
O processo de escrita deste livro foi uma grande experiência para mim, que me permitiu conhecer seis mulheres corajosas e rebeldes, que se tornaram minhas amigas.
Helena Cabeçadas – Dudelange, 11 de março de 2024
Amélia Resende
Aceitei o desafio de participar nesta recolha de memórias ( escrever sobre a nossa experiência de exílios e posterior regresso a Portugal) porque achava curioso e importante voltar a essa época da minha/ nossa juventude. Pertencemos às mesmas gerações, grosso modo, embora com algumas diferenças.
A história de experienciar ( no meu caso, uma jovem de 20 anos) a liberdade num país livre como era a França do princípio dos anos 70, na sequência dos acontecimentos de 68, comparativamente ao ambiente fechado e ao país beato da ditadura de Salazar com o obscurantismo, a censura, a repressão, a guerra, a miséria, parecia valer a pena repensar. Individual e colectivamente .Como nos tinha moldado. Como os ares dessa liberdade nova coexistindo com vidas mais difíceis noutro sentido (a sobrevivência, a saudade dos familiares e amigos, dos cheiros e dos sabores da infância, como referiu Helena Cabeçadas na sua intervenção), a incerteza do futuro e no entanto, a resistência, como tudo isso tinha ficado gravado em nós e nos tinha feito estas pessoas que agora éramos.
Comparar e partilhar estas experiências, para já só entre nós, mulheres, num registo de autonomia sem olhares estranhos, criando laços de confiança, permitiu a este livro ser o que ele é.
Um livro no feminino.
Como enfrentámos os nossos medos e contradições, como alargámos as fronteiras (literalmente e como metáfora), como nos tornámos mais confiantes ou reservadas, conforme os casos, era matéria a pensar.O nosso caminho agora em reflexão conjunta tornou- se uma aprendizagem que fazia sentido registar. Para nós. Para as outras, para os outros. Para memória futura. Para que os destes tempos de agora pudessem a par e passo tomar o pulso do que eram aqueles tempos obscuros , do caminho que tinha sido feito e de quantos sonhos ainda temos de cumprir .
Amélia Resende, 18 de Abril 2024
Fotos © CVR-Caixamedia-NSF