12 de Janeiro, 2025

O 25 de Abril visto do exílio

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No noticiário da televisão francesa ouvimos que uma junta militar se preparava para tomar o poder no nosso País

ABRIL, NA PRIMEIRA PESSOA – Por Acácio Gomes

Exilado em França, foi na manhã do dia 25 de Abril de 1974 que soubemos do movimento militar que derrubaria o governo de Marcelo Caetano. Na manhã desse dia, tinha combinado encontrar-me em casa do José Pedro Gomes, em Paris, e, no noticiário da televisão francesa do meio-dia (onze horas em Portugal), ouvimos, com um misto de incredulidade e de regozijo, que uma junta militar se preparava para tomar o poder no nosso País.

Havia imagens em directo de Lisboa, com tanques e tropas nas ruas, mas a informação veiculada pela TV francesa era ainda muito confusa e pouco segura sobre o movimento militar que pretendia derrubar o governo do Estado Novo que já durava há 48 anos.

Naquela manhã, apesar da incerteza acerca dos objectivos dos militares, começámos de imediato a fazer planos para regressar a Portugal, no mais curto espaço de tempo possível.

Mas havia um inconveniente. A maioria dos exilados portugueses em França, tal como a grande maioria dos mais de cem mil jovens que tinham abandonado o País para não ter de ir combater nas guerras em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, não possuía passaporte e, para passar nas fronteiras e atravessar Espanha, tal documento era imprescindível.

Falando com vários outros exilados, verificámos que as informações eram muito contraditórias, proliferavam muitos boatos, pois havia mesmo quem alvitrasse tratar-se de um golpe por parte de militares do regime e que não seria muito seguro voltar a Portugal.

No meu caso, decidi regressar de imediato ao nosso País, uma vez que já tinha tudo preparado para ir entrar na clandestinidade em Portugal para a organização em que militava naquela altura.

Acontece que a embaixada e o consulado estavam encerrados e só reabriram na segunda-feira seguinte. Essa circunstância permitiu que a situação em Portugal, vista de Paris, se clarificasse e chegarmos à certeza de que o golpe militar visava restabelecer a democracia em Portugal. No dia em que me apresentei, havia filas enormes à porta do consulado, que se estendiam pelas ruas anexas, para obter um passaporte. Aí encontrei muitos dos membros da oposição, bem conhecidos, todos com o mesmo objectivo: obter o passaporte que nos permitisse viajar.

Entretanto, consegui falar ao telefone com alguns amigos e familiares do Porto, da Vila da Feira e de S. João da Madeira, para ter uma ideia da verdadeira situação que emergia do movimento das forças armadas. Depois de resolvidos alguns pendentes, regressei a Portugal no Sud-Express logo a seguir ao Primeiro de Maio de 1974 e fui de imediato para Lisboa, com a convicção que era ali que as “coisas” estavam a acontecer.

Na época, Portugal continuava a ser um país atrasado, provinciano, pese embora algum crescimento económico tornado possível com a entrada na EFTA, concentrado sobretudo na grande Lisboa. O País vivia em grande parte das remessas de emigrantes, espalhados pelo Mundo, constituindo enormes reservas que tornavam possível a continuação das guerras nas colónias portuguesas de África. O famoso “milagre” do ouro do Banco Portugal só foi possível com o dinheiro enviado pelos emigrantes. Sem as divisas enviadas pelos emigrantes, as guerras teriam acabado muito mais cedo.

Quanto a Lisboa, era uma região que se encontrava inundada de bairros de lata, do Bairro Chinês ao Bairro do Relógio e dos muitos bairros semelhantes na Amadora, Loures, Oeiras, Margem Sul ou mesmo Cascais. Cerca de 100 mil pessoas viviam nessas circunstâncias, em barracas de madeira, com telhados de zinco, sem água, sem esgotos, às vezes sem electricidade. Conheci bem estas situações, uma vez que fiz trabalho político na maioria desses bairros depois do 25 de Abril.

Fora de Lisboa, no Norte e Centro, continuava-se a viver ao ritmo das estações do ano e da agricultura, tirando algumas regiões onde a indústria tinha a primazia, especialmente à volta do Porto, Braga e na nossa região em particular, sobretudo S. João da Madeira, Vila da Feira, Oliveira de Azeméis e Ovar, mas a agricultura continuava a ter um impacto grande na vida das gentes.

No entanto, fora dos grandes centros urbanos de Lisboa, Porto e Braga, imperavam as condições de vida de pobreza nos campos. Viajando por todo o País, constatei isso mesmo, fosse no Minho ou Trás-os-Montes, mas em todas as Beiras, já para não falar no Alentejo.

Na realidade, quem tinha um emprego fixo conseguia sobreviver sem grandes luxos. Mas, quem tinha de extrair o seu sustento do trabalho nos campos passava por grandes dificuldades, dado que não tinha fontes de rendimento que lhes proporcionassem o acesso a bens e produtos que não viessem directamente da agricultura.

Na minha terra não era muito diferente, apesar de uma parte trabalhar nas fábricas da região.

Mas havia um sentimento generalizado na juventude de vontade de mudança, sentimento reforçado pela recusa cada vez maior da continuação das guerras coloniais e pela repressão política e falta de liberdade. O sistema instalado procurava controlar tudo e todos, através dos informadores nas empresas, nas escolas e nas instituições, através dos legionários e da Mocidade Portuguesa e mesmo através de gente que era suposto não pactuar com tal situação.

E foi sem grande espanto que vim a saber, logo nos primeiros dias de Maio, após a minha chegada a Lisboa, que tinha havido algumas represálias em Mosteirô e noutras freguesias da Feira, especialmente contra legionários e, no caso da minha freguesia, também contra o padre, considerados informadores da polícia política.

Não fiquei admirado, porque eu próprio cheguei a ser ameaçado por um legionário local de ser denunciado à Pide. Apesar disso, na realidade, continuo a achar que não foi tal denúncia que me levou a ser preso pelo polícia política em Setembro de 1967, no Porto, juntamente com um amigo. Não estando organizado em nenhum partido na época, eu fazia parte de um grupo de amigos que contestava a guerra colonial, nos cafés, nas escolas, no Instituto Comercial que frequentava, e havia sempre alguém “mais atento” que era informador e se encarregava de fazer o respectivo relatório.

Ainda hoje não faço ideia de quem me terá denunciado – nem quero saber – mas creio que terá sido um informador qualquer dos muitos que existiam espalhados pela cidade do Porto.

Felizmente, graças aos militares do Movimento das Forças Armadas, vários dos quais vim a conhecer pessoalmente, nomeadamente Otelo Saraiva de Carvalho, foi possível restabelecer a Liberdade e a Democracia em Portugal. E a todos eles devemos estar gratos.

Acácio Gomes

Nascido em Agoncida, Mosteirô, Vila da Feira, Acácio Gomes é consultor de comunicação e imagem. Foi jornalista de economia e finanças no semanário Expresso, director da revista Inforbolsa, editor do programa da RTP Bolsa e Negócios, comentador económico da RTP e da Antena Um e colunista do Semanário Económico.

Opositor ao regime salazarista, exilou-se em França em 1968, onde participou no movimento do Maio de 68. Em 1970, começou a escrever no jornal O Salto, em Paris, e foi comentador de assuntos da emigração na Rádio France.

Regressado a Portugal, logo após o 25 de Abril, envolveu-se no movimento político da época, tendo participado em organizações de esquerda radical. Mais tarde, entre 1984 e 1987, fez parte do Clube da Esquerda Liberal, movimento que procurava discutir as questões relacionadas com o Liberalismo. Entre 1993 e 1995, foi adjunto da Assembleia da República.

É autor de Os Soldados do PREC (1977), Os Países de Leste perante a Crise (1980) e Coordenador e co-autor do Guia da Bolsa Portuguesa (1987).

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