9 de Novembro, 2025

O que falta propor para o Porto entrar no século XXI?

DOSSIÊ NSF AUTÁRQUICAS 2025 [10]

Por Cláudia Múrias

No filme “Regresso ao futuro”, Marty McFly, um típico jovem americano dos anos 80, ativa acidentalmente uma máquina do tempo, construída num carro DeLorean pelo excêntrico cientista Dr. “Doc” Brown, e viaja até 1955. Perdido no passado, conhece a sua futura mãe – antes de se casar com o seu pai – que se apaixona perdidamente por ele, colocando em risco a sua própria existência. Desta forma, Marty tem de conseguir que o romance entre os seus progenitores aconteça, ao mesmo tempo que tenta convencer o incrédulo Doc a enviá-lo de regresso ao futuro.

Esta foi a lembrança que tive após assistir aos debates autárquicos à Câmara do Porto. Recuámos 30 anos para construir um “outro” Porto, mais inclusivo, mais igualitário, mais sustentável, mais cosmopolita.   

Ouvindo os debates, percebe-se que as grandes questões a resolver na década de 90 são as grandes questões a resolver em 2025, a habitação, a mobilidade e a insegurança urbana.

Desde 1990 que o Porto foi perdendo população, aproximadamente 70.000 habitantes devido às migrações seletivas de algumas franjas da população jovem para concelhos periféricos em consequência da ausência de habitação acessível e de qualidade no interior da cidade, facto que justificou inclusive a necessidade da construção do Metro do Porto.

Em 2002, ano da abertura da primeira linha de Metro e após a celebração do Dia Europeu Sem Carros, começou a ser celebrada a Semana Europeia da Mobilidade com o objetivo de sensibilizar a população para a utilização de meios de transporte sustentáveis em detrimento do automóvel.

O medo, o sentimento de insegurança e a necessidade de reforçar da confiança entre as pessoas moradoras nos mesmos bairros foram os motivos para a introdução do modelo de policiamento de proximidade, inicialmente, em 2006, na freguesia de Santo Ildefonso, ao abrigo do Programa Integrado de Policiamento de Proximidade (PIPP).

O que propõem as candidaturas em 2025?

A construção de habitação acessível, através da construção pública, da reabilitação de imóveis e recuperação de fogos devolutos e da revitalização e constituição de cooperativas de habitação (muitas delas esquecidas quando a resposta política passou a ser o acesso pessoal ao crédito imobiliário: a financeirização da habitação.

Nos transportes, a reintrodução na cidade dos corredores BUS (uma medida da década de 90, mas, entretanto, desaparecida em combate) e da (polémica) variante de metrobus, a eliminação das portagens na CREP (Circular Regional Exterior do Porto) para desviar os pesados do trânsito citadino, e eventualmente, portajar a VCI (Via de Cintura Interna) e promover um diálogo entre a rede de transportes coletivos para articular uma oferta pública metropolitana, coerente e de qualidade.

Quanto ao policiamento de proximidade, reintroduzir a figura de polícia sinaleiro é a proposta mais contra normativa em tempos de Inteligência Artificial, mas o policiamento municipal deverá reforçar a Escola Segura, o Comércio Seguro e, até, a Movida Segura, recuperando outra figura mítica, o guarda-noturno.

Também a proposta da criação do Observatório da Segurança Urbana do Porto, me levou automaticamente até 1997, quando iniciei a minha experiência profissional de técnica de investigação no (extinto) Observatório Permanente de Segurança, que procurava estudar a eficácia das estratégias da polícia, as comunidades de risco e os fatores que alimentavam a construção do sentimento de insegurança na cidade.

O que falta propor para o Porto entrar no século XXI?

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é um plano global de progresso no sentido da concretização da igualdade, da inclusão e do exercício universal dos direitos humanos, considerando injusta (e um risco para as comunidades) a enorme disparidade entre as pessoas mais ricas e mais pobres nas sociedades atuais. Centrada em cinco pilares: Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias, e sem deixar ninguém para trás, dita erradicar a pobreza e a fome, garantir a saúde, a educação, a dignidade no trabalho e uma vida próspera, proteger os recursos naturais e o clima do planeta para as gerações presentes e futuras e promover sociedades pacíficas e justas, sem medo ou violência, num espírito de solidariedade global.

Parece que o Porto andou a marcar passo, sem atacar o essencial.

Urge regressar ao futuro e implementar políticas centradas nas pessoas, nos direitos humanos e promotoras de igualdade de género, cumprindo os compromissos assumidos com a ratificação dos instrumentos jurídicos internacionais, como, por exemplo, Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, a Convenção sobre os Diretos das Crianças, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência convenção que aborda a saúde mental como um direito humano fundamental, exigindo que os países criem leis para proteger esses direitos e combater práticas violadoras) ou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, entre outros. Importa assim criar respostas de cuidados de saúde de proximidade, que incluam a promoção de saúde mental, substituindo o policiamento, pelo empoderamento da comunidade.

Destaco ainda a frágil liderança das mulheres na tomada de decisão política da cidade.

De 12 candidaturas à câmara municipal, apenas duas, da CDU e do PTP, são encabeçadas por mulheres (16,7%). A situação equilibra ao nível da assembleia municipal, das 11 listas, cinco são encabeçadas por mulheres, do PS, do Porto Somos Nós, do BE, do PLS e do ADN (45,5%) e nas assembleias de freguesia, onde num total de 66 candidaturas às 7 uniões ou freguesias, 32 são encabeçadas por mulheres (48,5%) [dados sobre as candidaturas].

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