DOSSIÊ ICE | O marcelismo e a deterioração do regime, 1968-1974
SEM FRONTEIRAS | 20 de fevereiro 2021 | Dossiê Imprensa clandestina e do exílio. 1968-1974 (Período V)
5. O MARCELISMO E A DETERIORAÇÃO DO REGIME, 1968 – 1974
por José Manuel Cordeiro
A chegada ao poder de Marcelo Caetano, em Setembro de 1968, e a política da “evolução na continuidade” por ele anunciada suscitou grande expectativa num país ansioso por mudanças. No entanto, a esperança rapidamente se desvaneceu, tanto mais que o regime se revelava incapaz de resolver o principal problema que afectava a sociedade portuguesa, a guerra colonial.
Pouco depois das eleições para a Assembleia Nacional de Outubro de 1969, fustigadas pelas habituais irregularidades, registou-se o ocaso da “primavera marcelista”, com o enclausuramento do regime e o endurecimento da repressão. Contudo, o país tinha mudado. Uma década de significativas transformações económicas, sociais e culturais, o surgimento de novas gerações, mais radicalizadas perante os impasses que o regime não conseguia ultrapassar, criaram as condições para o florescimento de inúmeros grupos e organizações de uma esquerda revolucionária, predominantemente maoistas, cuja imprensa se multiplicará nos anos finais do regime.
Adesão a novas práticas políticas
Esta situação será também favorecida pelas transformações ocorridas no plano internacional, como os acontecimentos de Maio de 1968 em França, a Revolução Cultural na República Popular da China, a oposição à Guerra do Vietname e à intervenção norte-americana, assim como à invasão da então Checoslováquia pelas tropas do Pacto de Varsóvia, as quais fizeram despertar no seio da juventude, particularmente na juventude estudantil universitária, cada vez mais politizada, a adesão a novas práticas políticas e às organizações que então surgiram em grande medida como resultado da conjugação de todos estes factores.
Em Dezembro de 1968 surgiu o jornal O Comunista, publicado pelos Núcleos “O Comunista”, criados em Paris por ex-militantes do CM-LP, do PCP e outros elementos sem partido, do qual se publicaram treze números até Julho de 1972.
Em 1969, iniciou-se a publicação do Estrela Vermelha e do Unidade Popular, editados em Paris pelo CM-LP, que no ano seguinte se transformará em Partido Comunista de Portugal (marxista-leninista) [PCP (m-l)], dando continuidade à edição daquelas publicações. Do primeiro, serão editados quinze números até ao 25 de Abril, e do segundo, dezanove números também até Abril de 1974.
Em Portugal, na sequência da mobilização suscitada pelas eleições de 1969 surge, em Lisboa, em 18 de Setembro de 1970, o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP), que editou o jornal teórico Bandeira Vermelha – um único número publicado em Dezembro de 1970 –, e o Luta Popular, o seu “órgão de massas”, com 16 números publicados entre Fevereiro de 1971 e Fevereiro de 1974.
Em Dezembro de 1971 constituiu-se, no Porto, a organização que iniciou a publicação do jornal O Grito do Povo, o qual, a partir do n.º 10, de Março de 1973, passará a constituir o órgão da Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP), do qual se publicaram 22 números até ao 25 de Abril. Esta Organização tentou lançar o embrião de uma central sindical clandestina, a Organização Sindical Vermelha, que nas vésperas do 25 de Abril, em Março de 1974, editou o primeiro número do seu boletim Classe contra Classe.
No exílio
A imprensa marxista-leninista cresceu acentuadamente a partir dos finais da década de 1960 e início da seguinte, tanto no exílio como no interior do país, como resultado da mobilização política suscitada pelas eleições de 1969 e da influência da situação internacional, o que originou o surgimento de novas organizações, ou cisões nas até então existentes, cada uma publicando um ou vários órgãos de imprensa.
É o caso dos diversos Núcleos do “O Comunista” com a publicação do Luta Operária, que inicialmente constituiu o “órgão dos Trabalhadores Revolucionários Portugueses na Suécia”, com dez números publicados entre Março de 1971 e o 25 de Abril, As Armas do Povo, dos “Trabalhadores Portugueses da Fábrica da Renault-Billancourt” (1971), ou o Ergue-te e Luta, “Jornal Operário Comunista Para os Trabalhadores Portugueses de Boulogne” (1972), ambos com vários números e suplementos.
Algumas destas organizações que se reclamavam do marxismo-leninismo, influenciavam associações e outras entidades que desenvolviam actividade junto da emigração portuguesa em vários países europeus, como era o caso da Associação Resistência e Trabalho, de Amesterdão, que publicava o boletim informativo Novo Rumo, com mais de duas dezenas de números editados entre 1970 e o 25 de Abril, do Centro de Convívio Português “Outubro”, que editou o jornal Alavanca, com doze números entre Abril de 1972 e Janeiro de 1973, ou da Comissão Cultural Recreativa de Bruxelas, que de Outubro de 1973 a Janeiro de 1974 publicou dois números do boletim Rumo à União.
Revistas e jornais
A actividade editorial no domínio cultural foi também assumida por estas organizações, traduzindo-se na edição de revistas, como a Seara Vermelha, com dois números editados em 1973, a Sementeira, “Revista de Cultura Popular”, com três números editados em 1973 e 1974, ou a Spartacus, “Revista dos Trabalhadores Portugueses”, com um número publicado com a data de Maio de 1974, mas preparado ainda antes do 25 de Abril. A OCMLP criou também os Cadernos Teatro Operário, para acompanhar os espectáculos do seu grupo teatral, dirigido por Hélder Costa, dos quais se editaram três números durante o ano de 1973.
Um aspecto significativo da actividade destas organizações marxistas-leninistas no Exterior era a edição de jornais legais, dirigidos fundamentalmente aos emigrantes portugueses, como O Salto, com o subtítulo “Jornal dos Trabalhadores Portugueses Emigrados”, que conheceu 24 edições entre Novembro de 1970 e Março de 1974,
ou o Alarme, “Jornal dos Portugueses da Região de Grenoble”, cujo director, para respeitar a legislação francesa, era Jean-Paul Sartre, e que publicou dezanove números entre Agosto de 1972 e Abril de 1974. Destacam-se, ainda, o Jornal do Emigrante, com doze números entre Janeiro de 1968 e 1972, assim como o Jornal Português, que publicou sete números entre Abril de 1973 e Abril de 1974.
Oposição à guerra
A oposição à guerra colonial suscitou o aparecimento, principalmente durante o período final do regime, de inúmeros jornais, publicados no exílio mas também no interior do país.
Entre estes contam-se o Resistência, “Jornal da Resistência Popular Anticolonial” (RPAC), que seguia a orientação política do MRPP, do qual se editaram seis números entre Agosto de 1971 e Março de 1974, o Anti-Colonialista, do Movimento Popular Anti-Colonial (MPAC), afecto igualmente ao MRPP, com doze números entre Fevereiro de 1973 e Abril de 1974, o boletim Os Povos das Colónias Vencerão!, órgão dos Comités de Luta Anti-Colonial e Anti-Imperalista, que seguiam a orientação política do PCP (m-l), do qual se publicaram oito números entre Fevereiro de 1972 e Janeiro de 1974, A Luta dos Povos e Os Povos em Armas, editados respectivamente em Coimbra e no Porto pela Organização dos Comités “Servir o Povo”, que seguia a orientação política dos CRECs [Comités Revolucionários de Estudantes Comunistas, a organização estudantil da OCMLP], tendo-se publicado a partir de Maio de 1973, nove números do primeiro e três do segundo.
Em Outubro de 1972, o sector dos católicos progressistas iniciou também a publicação do Boletim Anti-Colonial, que conheceu nove números até Outubro de 1973. Este sector publicou igualmente, em 1969-1970, onze números dos Cadernos GEDOC, do Grupo de Estudos e Intercâmbio de Documentos, Informação, Experiências, dinamizado por Nuno Teotónio Pereira, Mendes Mourão e pelos padres Felicidade Alves e Abílio Cardoso.
A imprensa dos comités de desertores, sedeados em várias cidades europeias, constituiu outra componente significativa da oposição à guerra colonial. Entre os mais importantes, contam-se o jornal Luta, publicado em Paris e Grenoble, com três números e vários suplementos, entre Abril de 1972 e Agosto de 1973, o Insurreição, editado na Dinamarca, com três números publicados durante o ano de 1972, o Deserção, publicado na Holanda, que editou seis números de Agosto de 1972 a Março de 1974, o Guerra à Guerra, publicado em Malmö-Lund, Suécia, com oito números entre Maio de 1972 e Março de 1974, ou A Voz do Desertor, editado em França, e que conheceu três números entre Fevereiro e Outubro de 1973.
Do Porto a Bad Münstereifel
Em 1969 iniciou-se a publicação, no Porto, dos Cadernos Necessários, animados por Mário Brochado Coelho, que conheceram cinco números durante esse ano, e em 1970 surgiu a revista Polémica, do Grupo “Revolução Socialista”, exilado em Genebra, publicada por António Barreto, Medeiros Ferreira, Eurico Figueiredo, Valentim Alexandre e Ana Benavente, entre outros, que editou quatro números até 1973. Em Paris, o antigo militante do PCP e do O Comunista, J. A. Silva Marques, publicou seis números dos Cadernos do Círculo de Iniciativa Política, entre Novembro de 1972 e Março de 1974.
Nos finais de 1972 – inícios de 1973, surge pela primeira vez em Portugal a imprensa trotskista, inicialmente no Exterior com o Revolução Proletária, do Comité de Ligação dos Militantes Revolucionários Portugueses, que conheceu três números entre Janeiro de 1973 e Março de 1974. Também no Exterior, entre Abril de 1973 e Fevereiro de 1974, publicou-se o Combate Operário, suplemento do jornal Rouge, da Ligue Communiste.
Em Portugal, a recém-constituída Liga Comunista Internacionalista editou o Acção Comunista, com dois números em Outubro de 1973 e Fevereiro de 1974, e o Luta Proletária, com um número em Novembro de 1973. Com a transformação da Acção Socialista Portuguesa em Partido Socialista (PS), em Abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel, o Portugal Socialista passou a constituir o órgão central do PS, tendo nessa qualidade publicado três números até ao final desse ano.
José Manuel Lopes Cordeiro, autor do artigo Imprensa clandestina e do exílio 1926-1974 (sendo o texto acima publicado um excerto correspondente ao período específico de 1968-1974).
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