13 de Janeiro, 2025

A questão da deserção deve sempre ser tratada no concreto

nelsson5

MEMÓRIAS VIVAS | Deserção da guerra colonial | Nelson Anjos

Apoiámos a jornalista do Expresso Joana Pereira Bastos na identificação de militares portugueses presentes no palco de guerra ou em situações similares, desertaram. A peça jornalística produzida e divulgada contribui de forma muito significativa para a exploração e aprofundamento do tema deserção da Guerra Colonial portuguesa.. Recuperámos as opiniões de um dos entrevistados, Nelson Anjos, que é também co-autor do livro Exílios Sem Fronteiras que foi recentemente publicado pela AEP61-74 – Associação de Exilados Políticos Portugueses.

Numa perspetiva mais ampla, falar de deserção, no abstrato, pode correr o risco – e isso acontece amiúde – de alimentar opiniões equívocas e mesmo de sinal contrário ao pretendido. Quem escreve sobre o assunto parte muitas vezes do pressuposto que a questão da guerra colonial, do ponto de vista dos seus fundamentos, para dela ser possível fazer juízo – a ordem social em que se enquadrava e os interesses que de facto visava defender – são suficientemente do domínio do público em geral. E isso não é verdade.

Daí que me pareça que a questão da deserção deva sempre ser tratada no concreto e, no caso português, como expressão de rejeição, sem qualquer concessão à ambiguidade, da ordem fascista estabelecida e de reconhecimento dos povos das então colónias à independência. Nunca sendo demais lembrar e especificar as condições de profunda humilhação e atraso civilizacional que lhes eram impostas pelo colonizador. Estas são as questões de fundo. Independentemente da forma mais difusa ou mais esclarecida como na altura foram percepcionadas pelos seus intérpretes.

A arma da ignorância

Parece-me também sempre oportuno lembrar o que diz Miguel Cardina sobre o assunto, como aliás o faz Joana Pereira Bastos no seu artigo do Expresso: o facto do 25 de Abril ter sido feito por militares, que passaram a ser vistos como os heróis da democracia. A rutura com o Estado Novo restaurou a imagem das Forças Armadas, ajudando a apagar da memória coletiva a sua associação ao fascismo e à guerra.

Sendo que, nada do que atrás fica dito, deva constituir pretexto para condenar ao cadafalso os milhares de soldados dos diversos ramos das forças armadas que, durante treze longos anos andaram por terras de África armados com a principal arma que o sistema de então lhes fornecia: a ignorância. Nem aos militares de Abril seja diminuído o seu decisivo contributo na revolução possível de então.

NELSON ANJOS

Daí que me pareça que a questão da deserção deva sempre ser tratada no concreto e, no caso português, como expressão de rejeição, sem qualquer concessão à ambiguidade, da ordem fascista estabelecida e de reconhecimento dos povos das então colónias à independência

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