A “Madrugada” de Luis Serrenho
DOSSIÊ | Caldas TRL-2
Conhecer o Luís Serrenho, o nosso militar anfitrião dos acontecimentos do 16 de março nas Caldas da Rainha, pela mão (melhor, pela pena) da Teresa é um privilégio porque sabemos que não nos é facultada, apenas e só, uma fotografia. Suave e sumariamente ela oferece-nos alguns percursos pelos labirintos do acaso que o Luís percorreu. Com a Teresa a desvendar os pequenos segredos da nossa personagem central, a tarefa fica muito facilitada.
por Teresa Perdigão
Conheci o Luís e a Teresa Serrenho no início dos anos 80 do século XX, nas Caldas da Rainha. Sempre os pensei companheiros, por isso, Luís e Teresa são nomes que soam em conjunto e que combinam.
Associação MVC
Acompanhámo-nos em família, nas escolas e nos aniversários das nossas filhas. Mais tarde, ambos criaram e deram vida ao Movimento Viver a Cidade (MVC) e, durante 10 anos fizeram, mensalmente, um encontro público, onde um convidado falava sobre um tema – era o 21 às 21.
Não estranhei, pois, que o Tó Freitas me tivesse falado do Luís, como elemento ligado ao 16 de Março de 74. Esteve lá muito remotamente, é verdade, mas esteve.
Por isso, hoje falo do Luís, mas a conversa que tivemos foi a três, com intervenção sempre activa da Teresa.
A apalpar terreno
Um dos seus superiores hierárquicos, no quartel de Vendas Novas, onde fazia a tropa, avançava-lhe, com frequência, alguns rumores de revolta, em surdina, e o Luís não se fazia desentendido. Entre cautela e ousadia, acenava-lhe que contassem com ele. “Andava sempre a apalpar terreno”, diz o Luís, “e eu ia-lhe dando sinal”.
Percebi, nesta pequena conversa, a importância que teve, para ele, a curta estada no Seminário do Olival (Ourém), onde conheceu o padre Alberto e o padre João Domingos, homens que deixavam as mentes dos alunos abrirem-se à capacidade de pensar por si e de tomar posições críticas. Daí, com certeza, a permanente escusa e fuga à obrigatoriedade dos desfiles da Mocidade Portuguesa, quando era aluno na Escola Comercial de Caldas da Rainha.
A eficácia do adubo
O tal seu superior terá suspeitado que o Luís tinha o terreno adubado, à espera que as sementes lhe dessem utilidade e florescessem.
Ele sabia que a revolta estava em preparação e precisava de aliados.
Por isso, no dia 16 de Março, estando Luís de serviço, deu-lhe ordens para sair de jipe com mais três colegas e ir ver se encontrava alguma coluna militar.
Estranha incumbência, mas Luís obedeceu. No retorno ao quartel já era público o malogro da iniciativa de Caldas da Rainha.
Contactar Caldas, a família e a Teresa era impossível. Mas a esperança reforçou-se.
O cantor de serviço
Curiosamente estava também de serviço nessa noite, no mesmo quartel, o Duarte Mendes que veio a representar Portugal no Festival da Eurovisão em 1975, com uma canção com letra de José Luís Tinoco: Acordem luzes nos umbrais que a tarde cega/Acordem vozes e arraiais/ Cantem despertos na manhã que a noite entrega/ Que o canto assim nunca é demais.
Todas estas coincidências contribuíram para que estes militares fossem, pouco tempo depois, libertar da prisão, os camaradasnque haviam saído das Caldas.
Teresa Perdigão, Caldas da Rainha, Março 2022
Se não fosse o 16 de Março, o 25 de Abril não teria sido a mesma coisa
Por Luis Serrenho
E se não houvesse o golpe militar de 16 de Março de 1974 nas Caldas da Rainha, o 25 de Abril não teria sido a mesma coisa, digo eu! …
Esta é a minha perceção de análise dos factos, análise que faço com a distância temporal de 48 anos volvidos
Luis Serrenho
Fui militar de 23 de Janeiro de 1973 a 30 de Junho de 1975, vivi com muita intensidade e entusiasmo este período, onde tive a oportunidade de contracenar com alguns dos principais atores do Movimento das Forças Armadas, que no 25 de Abril derrubou o antigo regime.
A precipitação da Companhia saída das Caldas no 16 de Março, companhia que avançou sozinha sobre Lisboa, confiando que outras unidades fizessem o mesmo, o que não veio a acontecer, fazendo abortar assim esta tentativa de golpe de estado.
Esses militares revoltosos foram presos. Os mais graduados foram presos no Forte da Trafaria e os outros distribuídos por outras unidades. O fracasso desta operação veio despoletar uma maior consciência solidária no meio militar, provocando uma superior motivação para a libertação dos camaradas presos.
Marcello o castigador
O governo presidido por Marcelo Caetano foi à RTP falar ao país minimizando e desvalorizando este levantamento militar, considerando que a sublevação das Caldas era uma intentona, que tinha sido perpetrada por um pequeno grupo de aventureiros inconscientes, que iriam pagar bem caro pelo ato de desobediência à Pátria. O castigo teria que ser exemplar.
Aquela seria provavelmente a sua última “Conversa em Família”, seria a sua última comunicação ao país.
O fim de ciclo aproximava-se!
A partir daqui era necessário e urgente recuperar o moral das tropas a envolver, reorganizando e planeando melhor a ação militar a fim de cumprir os objetivos do derrube do regime.
Otelo Saraiva de Carvalho assumiu sem exitar a responsabilidade de comando e todo o plano estratégico e com Melo Antunes definem o dia preciso de avançar sobre Lisboa e esse dia foi o 25 de Abril de 1974.
Foi Melo Antunes o principal mentor do Programa do MFA, que assentava em três eixos: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver, onde ficou implícita a esperança de fazer de Portugal um país livre e democrático.
Fotos © cedidas por Luis Serrenho
Editado CR / Sem Fronteiras – títulos e subtítulos de SF