15 de Setembro, 2024

Desertores, o dever de apoio ontem e hoje!

publicado 29 de setembro 2022 | Artur Monteiro no Mediapart – traduzido e editado por SF

Só dentro da Rússia a luta do povo contra o despotismo permitirá pôr fim a esta guerra

Artur Monteiro | Paris

Desertores, o dever de apoio ontem e hoje! (Portugal/Rússia).

Quando experimentámos no passado, nós mesmos ou à nossa volta, as consequências do ato de desertar, temos o direito e o dever de saudar e apoiar a coragem de quem se atreve a desertar hoje. Ontem, anos 60/70 em Portugal. Hoje, ano 2022 Rússia.

A decisão de Putin de alargar a incorporação militar obrigatória a novos setores da população para continuar a guerra contra a Ucrânia desencadeou um movimento de deserção entre a população. Para os desertores portugueses dos anos 60 e 70 que recusaram a guerra colonial, o dever de acolher hoje “combatentes” contra a guerra (todas as guerras) torna-se um imperativo.

Num artigo no Mediapart, Zafer Sivrikaya relata que após o discurso do presidente russo decretando “a mobilização parcial dos reservistas para enfrentar a contra-ofensiva do exército ucraniano, muitos cidadãos estão a fugir do país para não serem enviados para a frente de batalha”.

“Mas os dois conflitos armados não têm nada a ver um com o outro”… dizem-me alguns amigos. Claro, esta é uma história diferente, trata-se de outro tempo e de uma disputa ou conflito diferente. Hoje é uma guerra de invasão das tropas de Putin contra o povo ucraniano, em território europeu. Ontem foi uma guerra colonial travada por um país subdesenvolvido, Portugal, contra os povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau… países africanos colonizados por Portugal há vários séculos.

Em ambos os casos são guerras de invasão, de ocupação e em ambos as situações, uma das formas de combatê-las, quando se é confrontado diretamente com elas, passa pela recusa da guerra e, se for soldado, pela deserção.

Os “comités de apoio aos desertores”

Portugal, um país sob uma ditadura fascista, (Salazar, após seis anos como Ministro da Economia, assumiu o poder em 1932 com o ‘Estado Novo’), um país com um forte movimento migratório (antes para sua ex-colónia na América Latina, Brasil ) e desde a década de 50 para os países europeus e, em particular, para a França. A guerra colonial, especialmente a partir de 1962, intensificou essa imigração, com outra faixa etária, a de 18/20 anos, para fugir ao serviço militar.

Eram jovens recrutas que foram para outros países antes de embarcar para as colónias, mas também desertores, opositores determinados à guerra (quatro anos a combater em África). Uma das palavras-de-ordem das organizações políticas de resistência ao fascismo incentivava os soldados a desertarem após a recruta (três meses) ou já em situação de combate e, em certos casos, com as armas.

Segundo várias fontes, incluindo as oficiais do próprio exército português na altura, durante a década de 60, até à queda da ditadura a 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, havia 200.000 portugueses refratários, incluindo os que foram chamados e que não comparecem quando convocados para o serviço militar e 8.000 desertores (soldados que saem ilegalmente de sua unidade), que deram clandestinamente o “salto” (o salto, termo que designa a passagem clandestina da fronteira).

Os desertores portugueses durante este período foram acolhidos e reconhecidos como desertores e, consequentemente como refugiados, pela Suécia, Dinamarca e Holanda.

Por outro lado, nos restantes países europeus onde os portugueses procuraram refúgio, só foram aceites como imigrantes ditos económicos (era uma época mais fácil para o mercado de trabalho e os imigrantes eram mão-de-obra barata e fácil de submeter) é o caso da França, Bélgica, Alemanha ou Suíça. Não sendo reconhecidos como refugiados e não tendo sido acolhidos nessa base, não foram no entanto extraditados para Portugal, o que teria levado à sua prisão e interrogatório pela PIDE (polícia política).

Hoje, para além das questões estratégicas das alianças ou das oportunidades políticas, parece-me necessária uma forte vontade social e humana que permita acolher e reconhecer os desertores russos como refugiados.

Mesmo sabendo que só dentro da Rússia a luta do povo contra o despotismo permitirá pôr fim a esta guerra.

Desenho de Siné, publicado no Expresso julho de 1960 (na França também havia desertores da guerra da Argélia, ver primeiro comentário na peça em francês no Mediapart)

(reprodução do boletim para refugiados na Holanda e referência ao Comité de Apoio aos Desertores Portugueses em França 1974) Na jornal digital Sem Fronteiras, em Portugal

ARTIGO NO SEM FRONTEIRAS | Apoio europeu aos desertores russos – Rui Mota

Artur Monteiro

Este artigo traduzido espontaneamente pelo Sem Fronteiras pode ser lido em francês no Blog do Club de Mediapart

Imagem de destaque © Fernando Mariano Cardeira e grupo de desertores da Academia Militar na fronteira do Gerês com Espanha.

Editor

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