8 de Outubro, 2024

Apresentação do livro Crónica de uma deserção – Retrato de um País

Por Amélia Resende

Na AJA – Associação José Afonso, Lisboa.

Foi uma sala apinhada com cerca de 40 pessoas que assistiu curiosa e interessada ao desenrolar da sessão  de apresentação do livro de Fernando Cardeira. As últimas fotos de José Mário Branco tiradas na véspera do seu desaparecimento penduradas nas paredes da sede da AJA acompanhavam com cumplicidade o que ali se passava. Estamos na casa de Zeca Afonso.

Na mesa, Ana Rosenheim, Amadeu Lopes Sabino e o próprio Fernando Cardeira deram início à conversa. Rui Mota fez a introdução da sessão.

A primeira oradora sublinhou as experiências vividas que o texto incopora, num tom coloquial como se de uma conversa à mesa de café se tratasse. Por sua vez o autor pormenorizou os diversos acontecimentos da mais importante deserção colectiva de oficiais contra a guerra colonial e o regime da ditadura. Fernando Cardeira foi um dos líderes do grupo de amigos e camaradas da Academia Militar que em 1970 ” horrorizados com a matança da guerra colonial“, como refere Raquel Varela no prefácio, tomou a corajosa decisão de desertar.

Foi incerto o seu destino e também o seu futuro. Incerteza é a condição do desertor e do exilado, embora tivessem preparado a sua partida meticulosamente durante os seis meses anteriores.Amadeu Lopes Sabino terá oportunidade de explicitar de forma relevante este conceito.

São todos esses passos que nos são narrados com pormenores muito vivos, como o texto do cartaz que em tom provocatório  “convida” à  guerra colonial nos trópicos, afixado por eles no quartel das Caldas da Rainha, revelando já um grau de consciência e revolta que os haveria de levar a tomar a opção final da deserção. Curioso que estes militares da Academia pelos factos que narrámos, são muito mais “radicais” em relação a estas questões do que os seus colegas estudantes do Instituto Superior Técnico.

Estes e outros detalhes vão salpicando a conversa e tornando cada vez mais premente a necessidade de ouvir mais e de finalmente ler o livro. Este contém não só a narrativa dos factos, como faz um retrato do país, através da travessia de vida do próprio Fernando, que nos fala das suas origens rurais e das condições de vida no tempo de Salazar. Acrescem, a esta narrativa, as fotos que o próprio autor foi tirando ao longo dos tempos, documentando todo este percurso, sendo o ponto alto o momento da travessia da fronteira Portugal- Espanha pelo grupo na serra do Gerês e que o autor tão orgulhosamente exibiu na sessão.

Em síntese, pela abordagem deste e de outros temas afins tais como a divulgação que este acto teve na imprensa estrangeira e o trabalho político e social que os desertores levaram a efeito no país de acolhimento, a sessão colocou ao centro a importância da recuperação da memória colectiva na história recente de Portugal, na sua luta contra a guerra colonial e a ditadura.

Finalmente parabéns à AJA pelo acolhimento desta iniciativa que integra o ciclo de “lutas anti- coloniais”, que verá em Março a apresentação do livro ” Exílios no Feminino”, editado pela Aep61/74 e que responde também à necessidade  de dar voz às mulheres nesta luta.

Valeu!

Amélia Resende | Fotos @ Carlos Pereira Martins

Editado SF ilustrações e título

Amália Resende

Editor

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