O domingo que o Brasil não pode esquecer!
Crónica de uma tragédia anunciada
por Camila Craveiro, Goiânia – Brasil
Membrane of civilization is thin (James Carey)
As cenas de terror que nos tomaram de assalto, na tarde de domingo, 8 de janeiro, materializaram-se, remetendo às palavras do professor Wilson Gomes, como a “crônica de uma tragédia anunciada”.
Uma crônica que começou a ser escrita em 2016, quando o então deputado, Jair Bolsonaro, homenageou, no Plenário da Câmara, o torturador Carlos Ustra. A homenagem veio em forma de piada tosca e ameaçadora, durante a votação pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff: “Pela família, contra o comunismo, pela nossa liberdade e pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, o meu voto é sim.”
Na ocasião, apesar de milhares de queixas registradas, a punição se configurou em algumas notas de repúdio, apenas. Ali, a naturalização da barbárie, do grotesco, do mal, teve pontapé inicial nas narrativas políticas do Brasil. Dois anos depois, a sociedade escolhia ter como representante máximo de Estado o ser abjeto que forjou sua persona nos pilares da família, da religião e dos bons costumes, apelando para o que foi nomeado de “cidadão de bem”.
O cidadão de bem é aquele que detesta tudo o que remeta à esquerda e, apesar de desconhecer o conceito, nomeia o que não gosta de comunismo e classifica as pautas identitárias e as causas das minorias como “mimimi”, exaltando a meritocracia e o temor a Deus.
Ao ser utilizado quase como slogan, o cidadão de bem transformou-se, durante os quatro anos de governo Bolsonaro, em um grupo maior, radical, heterogêneo, mas com um importante denominador comum: o ódio ao Lula e ao PT.
Com a derrota nas urnas, era questão de tempo, e de direcionamento por parte de financiadores de movimentos antidemocráticos, que o caldeirão entornasse e a barbárie se materializasse.
O que vimos, ontem, nos ataques vis às casas do Três Poderes brasileiros foi a junção do uso errôneo do direito à liberdade de expressão somado à leniência de agentes públicos e, principalmente, do aparato policial – esse último deixou escancarado ao Brasil e ao mundo a sua atuação racializada, que atira primeiro e, depois, averigua quando a ordem é minimante perturbada por pessoas pretas, e que posa para selfies e bebe água de côco enquanto cidadãos brancos vandalizam o patrimônio arquitetônico, cultural e histórico do país.
Desde 2016, pelo menos, o Brasil optou por um percurso que se distancia cada vez mais da democracia. Agora, é preciso garantir que o caminho de volta possa ser retomado, e que o rigor da lei puna aqueles que tentam, a todo custo, dificultar ainda mais essa jornada. Pois como bem alertou Rui Barbosa: “A pior democracia é preferível à melhor das ditaduras”.
Camila Craveiro