8 de Outubro, 2024

EXÍLIOS NO FEMININO – Afinal que livro é este?

Opiniões, protagonistas e roteiro das apresentações públicas (7) | S. Brás de Alportel

O que diz Ana Poeta?

Quando nasci o fascismo e a ditadura tinham sido expulsos do país há 5 anos. Nasci e cresci em liberdade, mas com o legado das minhas ancestrais: a fome, a violência, a pobreza e a violação dos direitos humanos ainda estava bastante presente.

Ana Poeta

Quando nasci as minhas avós já votavam e ensinaram-me a importância deste ato: o respeito com que sempre encararam a ida às urnas com o seu fato domingueiro inspirou-me até aos dias de hoje.

Cresci com as minhas avós e bisavós embrulhadas numa mortalha de luto eterno (primeiro pelos pais e depois pelos maridos). Uma regra não escrita em papel mas tatuada nas almas das mulheres. Testemunhei o sofrimento da avó A. afogada na culpa de um aborto clandestino, a mesma culpa no olhar da tia L. e da minha mãe. Livremente presas na gaiola da religião….

Cresci a ouvir as criticas dirigidas à tia avó A., a quem curiosamente eu tinha um respeito enorme: divorciada e com 2 filhos que criou sozinha. Inspiração para mim… puta aos olhos da sociedade.

A bisavó M. foi outra mulher inspiradora, exilada na sua pequena aldeia, prosperou! Mãe solteira de 7 filhos, cada um com o seu progenitor “incógnito”, abusada pelo “Sr. Doutor”, foi empreendedora: vendeu tremoços, comprou casas e terrenos, prosperou e no final foi roubada… não sabia ler nem escrever e as suas conquistas foram-lhe arrancadas. Morreu como nasceu – pobre.

A bisavó M. morreu após o parto, vitima de um espancamento por parte do bisavô F.!

A avó M. teve 4 filhos: 3 meninos e 1 menina: os filhos foram para Ultramar e a menina – minha mãe – não pode estudar além da 4ª classe porque tinha de cuidar da casa e dos pais.

Eu? Eu fui e sou uma privilegiada: estudei, namorei (ainda que para a minha mãe achasse que o meu namorado era de um nível social “acima” por isso “não era para mim”, eu deveria resignar-me ao meu estatuto inferior), fui a primeira pessoa da família a ter estudos superiores, casei, divorciei-me, sou militante política e sou militante anti fascista! E sou tudo isto graças aos sacrifícios de todas as que vieram antes de mim.

Nasci em liberdade! Mas as minhas ancestrais não! E por elas, as que não estão, mas também pelas que virão a minha, a nossa voz não se pode calar.

A liberdade não pode ser tomada como garantida e tem de ser trabalhada diariamente!

As minhas antepassadas estavam presas nos seus corpos, no género “fraco”, algemadas ao chefe de família e à religião. Não foram conhecidas as suas lutas, nem as suas dores e em breve aqui a nem os seus nomes serão mais lembrados, mas o seu legado chegou a mim e é meu dever honra-lo!

Adriana Nogueira, Diretora Regional da Cultura do Algarve

Ter tido o privilégio de estar envolvida em 2 apresentações do livro “Exílios no feminino” e partilhar algumas horas com estas heroínas foi uma experiencia pessoal, emocional e intelectual inesquecível. As 7 magnificas trouxeram para a luz as vidas das que viveram na sombra. Trouxeram esperança para uma luta que ainda não terminou…

E deixaram em mim uma ferida aberta. Quantas mulheres exiladas? Quantas mulheres violentadas, agredidas, escondidas? Somos assim tão invisíveis que após 49 anos ainda continuamos silenciadas?

A Fernanda, a Amélia e a Beatriz foram e são inspiradoras para a crença de um futuro melhor. A voz delas abriu a caixa de Pandora e deixou nos inquietantes para um segundo volume. A sua força e coragem são motores para as lutas que se avizinham.

Não tenho palavras que possam expressar condignamente o estado emocional que aqueles 2 dias despertaram em mim e em todos os presentes. Como se descreve o indiscritível? Como encontrar palavras para descrever “Exílios”? E por não ter a grandiosidade das partilhas optei por tentar traduzir na única maneira que me é possível: continuar o seu legado, dando a minha voz às vozes que estas mulheres trouxeram para a luz do dia.

Numa palavra? Sororidade!

Ana Poeta

Adriana Nogueira e as três coautoras presentes na sessão

S. Brás de Alportel, na Associação In LOCO

A primeira parte do nosso périplo para apresentação do “Exílios no feminino” terminou em terras algarvias, em S. Brás de Alportel, na Associação In LOCO. 

Lá fomos recebidas com muita afabilidade e calorosamente por cerca de uma vintena de pessoas, algumas das quais já nos tinham acompanhado em Loulé. 

Adriana Nogueira, Diretora Regional da Cultura do Algarve, fez a apresentação das coautoras presentes, referindo-se às ausentes, numa abordagem transversal do livro.  A cada uma foram postas questões que foram abordadas duma forma mais ou menos aprofundada. Temas como a democracia, a liberdade, o colonialismo, o machismo,  o feminismo e a maternidade foram dos mais discutidos com  o público, sempre muito participativo. 

No final despedimo-nos com a promessa de colaborações futuras e com a troca de contactos.

Beatriz Abrantes

Editor

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