5º Fórum Liberdade & Pensamento Crítico
OPINIÃO – Algumas considerações sobre dois painéis
Aurélien Barrau – [[Imagem:Aurélien Barrau bei einer Vorlesung am IHÉS (Paris).jpg|thumb|180px|Legenda]
Por Filipe do Carmo
Assisti no passado sábado dia 15 de julho a dois painéis deste Fórum – o primeiro de tema Guerra e liberdade de expressão (a que só assisti parcialmente e em condições de audição medíocres, devidas sobretudo à minha má localização no seio da assistência) e o segundo de tema Trabalho e Ecologia. Que futuro?
Neste segundo painel, que acompanhei em boas condições de audição, dou destaque às intervenções dos conferencistas Pedro Soares e Raquel Varela, as quais considero bastante interessantes. Naturalmente que tais intervenções, limitadas pelo tema sobre que incidiam, se focaram mais em particular nas implicações da evolução das condições ambientais neste nosso mundo sobre as condições em que o trabalho é desenvolvido, embora por vezes tenham, com indesmentível proveito, suplantado tal condicionamento. Isso foi visível, por exemplo, na descrição, na denúncia feita, de situações em que o sistema capitalista, na sua versão neoliberal, tem vindo a brindar os trabalhadores.
O capitalismo e as catástrofes
Mas não será já inadequado este “neoliberal” por ser insuficiente para caracterizar as condições, crescentemente desfavoráveis, com que o sistema económico tem vindo a brindar os trabalhadores e, também e consequentemente, os restantes humanos que ainda não trabalham ou procuram trabalhar (em particular os muito jovens) ou que já deixaram de trabalhar (como os reformados). É que este capitalismo em que o tecnológico tem sido apresentado pelos seus promotores como o supra-sumo da competência e do sucesso é, cada vez mais e crescentemente, exibido como a solução de maior peso para fazer face às catástrofes de natureza ambiental que vão surgindo, muito em particular no que respeita ao aquecimento global.
Poderei começar por criticar a predominância (por vezes a exclusividade) que a comunicação social (não só a que temos no nosso país, evidentemente) e a maioria dos comentadores sobre as questões ambientais dão à crise climática (neste momento não me estou a referir especificamente ao que se passou no Fórum). É importante sem dúvida (embora muitas vezes só se pense na atmosfera e não nos meios aquáticos quando se menciona o aquecimento global) dar relevo a essa crise. Contudo, tal relevo é muito frequentemente acompanhado de indicações sobre os desenvolvimentos tecnológicos em curso, apresentando-os como indispensáveis para evitar as catástrofes. Ora muitas vezes tais desenvolvimentos são claramente negativos para o meio ambiente, bastando lembrarmo-nos dos problemas ligados à mineração (lítio, cobalto, …), da importância que tem vindo a ser dada ao nuclear (em França e na China, muito em particular; e não se poderá esquecer que o Parlamento Europeu considerou o nuclear como energia verde) para substituir por exemplo os derivados do petróleo na produção de energia. E se, no caso da substituição em curso dos veículos a combustão pelos eléctricos se colocam muitas dúvidas sobre os “progressos” desejados (entre outros problemas, será de reter que as baterias constituem também um problema ambiental, o seu preço tende a ser cerca de metade do total do veículo, o qual, para um modelo mediano, é frequentemente da ordem dos 40 ou 50 mil euros), uma questão que raramente é colocada é a da necessidade absoluta de pôr um termo à expansão do automóvel (e mesmo reduzir substancialmente o recurso a esse meio de transporte), o que não é possível sem alterações substanciais no urbanismo actual (no Fórum um dos conferencistas considerou indispensável uma evolução para “cidades pequenas”, o que parece uma via prometedora, embora recheada de uma complexidade que não pode ser ignorada).
Os lixos crescentes
Em termos de outros problemas de natureza ambiental, haverá muito ainda a dizer além da crise climática. Retive por exemplo algo que foi referido na troca de impressões que teve lugar na parte final do painel no concernente à biodiversidade, embora haja bastante mais que será difícil de expor no presente texto mas de que, para já, se poderá referir a poluição provocada pelos plásticos, outras poluições de natureza química (com consequências nefastas não só na vida humana e na da maioria das espécies animais e vegetais) e as que derivam dos excessos (provocados sobretudo pelos abusos da obsolescência programada) cada vez mais evidentes na produção de computadores e de telemóveis (levando a lixos crescentes que até há pouco tempo eram exportados para a China, situação a que este país pôs fim, e que passaram a ser enviados sobretudo para países africanos).
Ainda relativamente às intervenções dos conferencistas acima referidos, não posso deixar de mencionar algo que apreciei e que foi a radicalidade que as acompanhou. Não posso deixar, contudo, de dizer que foi uma radicalidade insuficiente, embora inevitável dadas as limitações do próprio tema em que se inseriram. A propósito de radicalidade assisti recentemente a um discurso pronunciado no Parlamento Europeu por Aurélien Barrau (um astrofísico que tem feito derivações pelo ambientalismo), cuja natureza extremista fez ganhar a 80 ou 90 % dos deputados, segundo o que percebi, cores pouco habituais. O que não impediu que eu considerasse na altura que tal radicalismo era ainda insuficiente (utilizando o LINK é possível assistir a tal intervenção; valerá também a pena ler um livro de Barrau, intitulado Le plus grand défi de l’histoire de l’humanité). Não posso deixar de dizer, em tal contexto, que uma suficiente radicalidade (a começar pelo que diz respeito a abrangência) é sempre difícil de atingir no domínio ambiental, dada a elevada complexidade dos problemas que se colocam e as dificuldades em superar eventuais incompreensões por parte dos auditores ou leitores.
O império americano
No que diz respeito ao painel sobre Guerra e liberdade de expressão, as dificuldades que tive em segui-lo não me impediram de compreender que as intervenções dos conferencistas e dos assistentes incidiram sobre o que se passa na Ucrânia (ou sobre o que se passa no conflito NATO-Rússia). A minha opinião é que os EUA exercem um grande domínio sobre a generalidade dos Estados do planeta. Constituem de facto um Império, mas falta-lhes impor o seu poderio militar à Rússia e à China, verificando-se que os seus aliados (ou, talvez melhor, os Estados a que tem vindo a impor vassalidade), têm apoiado ou mesmo encorajado, esse sonho neoconservador. Segundo Michael Hudson (Professor de Investigação de Economia na Universidade do Missouri, Kansas City) – que tem passado a escrito as suas convicções sobre os desenvolvimentos do Império americano e os interesses económicos que estão por detrás deles (por exemplo a substituição do gás russo até há pouco adquirido pelos europeus pelo gás natural liquefeito produzido nos EUA de preço muito mais elevado, ou o enriquecimento do seu complexo militar-industrial) – os esforços americanos para levar ao conflito actual e a uma subsequente substituição de Putin por um novo Yeltsin já são antigos e foram incrementados a partir de 2014 com o golpe de estado que organizaram na Ucrânia. Esse autor diz muito mais num artigo recente (final de Junho) de que não é possível dar mais detalhes por agora, mas cuja tradução para português pode ser encontrado no LINK:
Outro texto ainda mais recente (Editorial de Strategic Culture Foundation) dá aspectos interessantes complementares que podem ser consultados através do seguinte link:
Lisboa, 17 de Julho de 2023
Filipe do Carmo
Editado SF/