Braga, nicho de ricos migrantes brasileiros neofascistas
Braises du Caos | Mediapart Club – Postal | Colaboração Artur Monteiro – Paris
Segundo o diário brasileiro Correio Braziliense, a maioria dos imigrantes brasileiros da classe média alta e titulares de nacionalidade portuguesa, que vieram desde 2010, muitas vezes evangélicos, são apoiantes do partido português de extrema-direita Chega.
André Ventura no Congresso nacional em Coimbra
Apesar destas vicissitudes, apenas uma candidata deste partido, uma mulher, foi eleita em 2023, na Madeira.
Cerca de 500 mil brasileiros obtiveram a nacionalidade portuguesa entre 2010 e 2023, segundo o Ministério da Justiça português. Este contingente representa 5% da população portuguesa, não o suficiente para influenciar o espectro político – menos de metade tem direito de voto no país – mas suficientemente forte para atrair a atenção dos principais candidatos nas eleições legislativas de 10 de março de 2024, convocadas pelo Presidente da República.
É no entanto, na extrema-direita que os brasileiros mais comprometidos politicamente começam a ocupar espaço, nomeadamente dentro do Chega, partido fundado há quase cinco anos por André Ventura, antigo comentador de futebol, nascido em 1953, “machista e xenófobo”.
Podemos, portanto, falar de imigração brasileira legal, muito parda e burguesa.
Muitos dos que acompanham a política portuguesa no dia a dia questionam-se como é que tantos brasileiros conseguem fortalecer o Chega, se nas últimas eleições presidenciais no Brasil, o então candidato do PT, Lula da Silva, derrotou Jair Bolsonaro em Portugal com mais de 60 % dos votos. Para compreender este movimento, explica o jornalista, investigador e escritor Miguel Carvalho, é preciso recuar a 2019, ano de criação do partido que, segundo ele, não pode ser qualificado de extremista. Ainda não.
Lucinda Ribeiro
A estreita ligação entre os brasileiros residentes em Portugal e o partido Chega teve origem em Lucinda Ribeiro, portuguesa que assinou o sexto formulário de filiação no partido. Especialista em programação de dados – administrou cerca de uma centena de grupos nas redes sociais – foi ela quem recrutou evangélicos, sobretudo brasileiros, para integrarem a estrutura partidária ultraconservadora que nascia com a missão de acabar com o socialismo português. O apoio dos brasileiros foi tão forte que surpreendeu os líderes partidários portugueses, e foi ainda mais reforçado após a eleição de André Ventura como deputado, o único membro do partido Chega na altura no Parlamento.
Uma parte significativa destes brasileiros evangélicos estava em Braga, cidade do norte de Portugal que se tornou um dos principais destinos de quem atravessa o Atlântico no fluxo de migrantes que tem crescido desde 2017. Braga é a capital do distrito do mesmo nome, e os seus 200 mil habitantes estão repartidos por 183 km2.
Mas, como salienta Miguel Carvalho, os “apoiantes” brasileiros do Chega estavam espalhados por todo o país. No caso da comunidade que se instalou em Braga, um grupo tinha saído do Brasil para prosseguir a formação académica na Universidade do Minho – fundada em 1973 em Braga – onde, recentemente, Grazielle Tavares, 49 anos, natural do Rio de Janeiro, levou um soco na boca e um pontapé na barriga por um português a meio da aula devido a um desentendimento sobre um trabalho académico.
São oriundos das classes média e alta
“Ao longo do tempo, estes brasileiros bracarenses ocuparam cargos importantes dentro da estrutura do Chega. Também se tornaram activos na comunidade, através de associações e fundações”, explica o jornalista, que acompanha este passado desde a sua criação ou quase. Em geral, esses brasileiros possuem dupla nacionalidade e são oriundos das classes média e alta. Trabalham como empreiteiros, engenheiros civis, designers, programadores visuais e arquitetos. Pastores de igrejas neopentecostais também aderiram ao movimento, pedindo votos para o Chega durante os cultos. “André Ventura soube aproveitar esse apoio, que não foi direcionado para outros partidos”, explica.
Depois de todo este trabalho de consolidação do Chega, Lucinda Ribeiro acabou por se desentender com a liderança do partido que, segundo ela, estava a empurrar o partido para uma direção menos radical, aproximando-o dos partidos tradicionais. Ela deixou o cargo em 2021, e juntou-se ao ADN, grupo de extrema direita que surgiu durante a pandemia de Covid-19, negando a ciência e espalhando notícias falsas. No entanto, o recrutamento de brasileiros pelo Chega não parou. O lugar deixado por Lucinda foi ocupado por Cibelli Pinheiro de Almeida, cujo ativismo político começou em Recife (Pernambuco, Brasil), na base militante do… PT, partido com o qual sua família tem laços estreitos.
Cibelli Pinheiro de Almeida
Ao chegar a Portugal, Cibelli Pinheiro de Almeida radicalizou-se à direita. Em Braga, instalou uma espécie de rede de apoio aos imigrantes brasileiros, ajudando-os a encontrar emprego e habitação. No mesmo período, aderiu à Associação Família Conservadora, fortalecendo assim o discurso do Chega, que
encontrou ressonância não só entre os evangélicos, mas também em grupos cujos programas se enquadram na guerra cultural, como ideologia de género, anti-aborto , proteção das famílias, redução dos direitos LGBTQ+ e controle da imigração, bem como teorias da conspiração.
A importância de Cibelli P. de Almeida incomodou alguns membros da direção do Chega na cidade de Braga. O presidente do partido na região, deputado Filipe Melo, eleito em 2022, apoiou a teoria de que a brasileira estaria à frente de uma seita religiosa, formada principalmente por evangelistas. Apoiado por católicos radicais fascistas do Opus Dei, Melo conseguiu isolar a senhora Pinheiro de Almeida. Ela permaneceu no partido, apesar disso, como ativista de base. Em 2023, foi uma das principais organizadoras dos protestos contra o presidente Lula da Silva durante a sua visita a Portugal.
Melo é sobrinho do cónego Melo de Braga
Melo, que é neto de imigrantes e se manifesta contra a presença de estrangeiros em Portugal, é sobrinho-neto do cónego Eduardo Melo Peixoto (1927/2008), um dos ícones da Igreja Católica Portuguesa, cuja estátua se encontra em Braga , e propagador da extrema direita no país logo após a Revolução dos Cravos em 1974, ativista anticomunista. “Com a destituição de Lucinda, depois de Cibelli, o movimento evangélico brasileiro perdeu terreno no Chega, mas o apoio ao partido não enfraqueceu”, sublinha Miguel Carvalho.
Embora pequenos em termos de votos, os brasileiros foram importantes para o salto espetacular dado pelo partido Chega nas eleições de 2022. O partido passou de um para 12 deputados, tornando-se o terceiro partido na Assembleia da República.
“Nesta fase, os responsáveis pelas redes bolsonaristas desempenharam um papel fundamental no recrutamento de eleitores mais inclinados para a extrema direita”, explica João Gabriel de Lima,
escritor, jornalista e membro do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa, que também escreveu inúmeras colunas para o diário ultraconservador brasileiro “O Estado de São Paulo”. O partido de André Ventura venceu na maioria dos consulados portugueses no Brasil, nomeadamente no Rio de Janeiro, onde a comunidade portuguesa é grande. Entre os imigrantes autorizados a participar nas eleições portuguesas, os brasileiros garantiram dois terços dos votos ao partido de extrema-direita, segundo cálculos do presidente Marcelo Rebelo de Souza.
Apesar do histórico de participação e da dinâmica do Chega, os brasileiros ocupam apenas um cargo eleito em Portugal, o de Maíza Georgia Mendonça Gomes Fernandes, conhecida como Maíza Fernandes, deputada na Assembleia Regional da Madeira, desde que foi eleita em 24/9 /2023, tal como outros três candidatos estreantes do Chega, também na ilha da Madeira. Segundo Lima, isso mostra o paradoxo do partido, que conta com o apoio de parte da maior comunidade imigrante de Portugal, mas limita a participação dos brasileiros em posições de liderança e defende uma linha dura na questão da imigração. Segundo todas as sondagens, os cidadãos brasileiros são as principais vítimas da xenofobia no país europeu, o que é amplamente expresso pelos apoiantes do Chega.
Mariza Fernandes eleita deputada na Assembleia Regional da Madeira
Vice-presidente do partido na cidade do Porto, segundo colégio eleitoral de Portugal, o brasileiro Marcus Santos, 45 anos, nega a existência de preconceito dentro do partido. “Sou brasileiro e negro. Em nenhum momento fui discriminado pela cor da pele ou pelo sotaque”, diz Santos, que deverá figurar na lista de candidatos do partido às eleições de 10 de março de 2024. “Sou brasileiro e negro. serei o primeiro deputado brasileiro eleito no que chamamos de Portugal continental”, acredita. Um dos seus principais objectivos é reforçar os controlos de imigração.
Marcos Santos ex-lutador de jiu-jitsu e MMA
“Sou a favor da imposição de restrições à imigração. Portugal, que tem um grande número de idosos, precisa de mão de obra estrangeira. morar em Portugal”, diz Santos, ex-lutador de jiu-jitsu e MMA e dono de uma rede de academias de artes marciais. “Vivi nos Estados Unidos, onde só deixam entrar trabalhadores com competências muito específicas. Quando as portas estão abertas, entram todo o tipo de imigrantes e acabam por ser explorados, às vezes até como escravos. acrescenta.
Dentro do Chega, sublinha Marcus Santos, a perspetiva é que o partido eleja entre 40 a 50 deputados nas próximas eleições. Como resultado, o partido ajudará a permitir que uma coligação de direita forme o próximo governo em Portugal. André Ventura, reeleito este fim de semana de 13 a 14 de janeiro de 2024 como presidente do partido, afirma que será o próximo primeiro-ministro do país porque os portugueses já não querem o PS (Partido Socialista), devido ao seu passado de corrupção, nem do PSD (Partido Social Democrata), pela sua constante omissão, segundo ele.
As sondagens dão ao partido entre 13 e 17% da preferência do eleitorado. “Não há dúvida de que o Chega terá um forte crescimento nas próximas eleições, pelo menos duplicando a sua dimensão”, prevê Miguel Carvalho. Neste contexto, o partido poderia ser decisivo na formação de uma maioria que conduziria ao próximo governo.
Uma corrente de especialistas vê a possibilidade de uma coligação entre o PSD, que viria primeiro, e o Chega, embora o atual presidente do partido social-democrata, Luís Montenegro, tenha criado uma espécie de cordão santé ao jurar que não se aliaria ele mesmo com a ultradireita. Mas quem conhece o funcionamento do partido não exclui que Montenegro fique à margem e que seja convocado um líder externo com a missão de unir forças com o Chega.
Este seria Pedro Passos Coelho, antigo primeiro-ministro e padrinho político de André Ventura quando este entrou na política com o PSD.
Em 2017, Ventura foi eleito vereador em Loures, nos arredores de Lisboa, com o maior número de votos alguma vez obtido por um candidato do PSD. Ele atraiu a atenção dos eleitores com um discurso radical contra os ciganos. A ala mais democrática do partido apelou à saída do então vereador do partido, acusado de extremismo, mas Passos Coelho conteve-o. Não podemos, portanto, dizer que está excluída uma aliança entre o PSD e o Chega. “Se houver maioria de direita, teremos de compreender o voto dos cidadãos”, sublinha Miguel Relvas, antigo ministro dos Assuntos Parlamentares, militante do PSD.
Texto Fonte postal Clube Mediapart , Ilustração e tradução NSF