Dos 5 cantos do Mundo
Maria José Gama Caldas | Crónica n° 24 – 8 de abril de 2024
Regresso ao futuro
Programa da RTP – Quatro das sete protagonistas do livro “Exílios no Feminino” estiveram em Bruxelas, por ocasião do lançamento do livro em francês. Com Maria José Gama Caldas, em Bruxelas, Bélgica.
Começaram as comemorações do 25 de abril. Aqui em Bruxelas, a AJA vai fazer vários eventos durante o mês de abril. É 25 de abril todo o mês.
O primeiro evento teve lugar na terça-feira passada, com a apresentação do livro Exílios no feminino, mais bem a sua tradução em francês, que passou a ser “ Exils au féminin, sept parcours de lutte et d’espoir”
Pudemos contar com a presença de 4 das 7 mulheres protagonistas do livro, que se exilaram antes do 25 de abril, e assim pudemos ouvir, de viva voz e na primeira pessoa, os seus testemunhos sobre o que as levou a exilar-se e como viveram o exílio, mais especialmente os primeiros tempos, com dificuldades de língua, de dinheiro, de compreensão de direitos, de procura de papéis, de alojamento, etc etc . Depois testemunharam das suas ações respetivas nos países europeus por onde estiveram espalhadas, como trabalharam com os emigrantes, que já havia muitos, ajudando a criar associações aqui em Bruxelas, dando aulas de alfabetização nos bairros da lata na zona de Paris, informando sobre planning familiar e direitos das mulheres etc . Estas 7 mulheres são apenas 7 de muitas que se exilaram. Elas foram milhares e as experiências delas têm muitos pontos em comum.
Todas estas intervenções contribuíram para reforçar a memória dos mais velhos e para que os mais novos aprendessem o que implica viver num pais autoritário, onde o Estado e o próprio peso da sociedade limita os possíveis das pessoas, corta a imaginação e tudo isso para chegar a uma sociedade homogénea, onde não há uma cabeça que possa sobressair.
Mas a vontade da AJA Bruxelas, como organizadora do evento, não era, de modo nenhum de estar só a lembrar o passado e dar medalhas de mérito àquelas senhoras que ainda muito jovens ( elas tinham entre 17 e 21 anos) saíram rumo à Europa, fugindo à PIDE em certos casos, e à procura de espaço à medida das suas aspirações à liberdade e a uma forma de realização pessoal que lhes era proibida dentro de Portugal.
O nosso objetivo era também de fazer a conexão do passado das nossas ex-refugiadas com a realidade de hoje, aqui em Bruxelas, onde estão a chegar milhares de refugiados, muito visíveis nas ruas, e ainda mais presentes nas mentes das pessoas. A conexão entre as duas realidades, passada e presente, foi feita através da intervenção da Adriana Costa Santos, jovem portuguesa que se está a doutorar aqui em Bruxelas e que é a co-presidente da plataforma de apoio aos refugiados. A Adriana pode salientar o flagrante paralelismo que existe entre as trajetórias das nossas ex-refugiadas e as trajetórias das mulheres refugiadas que chegam hoje, sobretudo vindas dos países africanos e do Médio Oriente.
Mas, o paralelismo fica por aí, porque no que diz respeito às condições de acolhimento estamos a anos-luz de diferença. Já foram mencionadas as dificuldades encontradas nos primeiros tempos, mas as nossas compatriotas outrora não foram criminalizadas, obtiveram documentos de identidade, estudaram, fizeram a sua vida.
Hoje a situação é bastante diferente. O número de refugiados também nada tem a ver com os números do passado. São muito mais numerosos agora. E depois, refugiados políticos e refugiados económicos, tudo se mistura; o que é certo é que todos procuram uma vida melhor, o que nós portugueses deveríamos compreender porque somos o país europeu com maior taxa de emigração, isso desde os anos 60 mas que continua agora, com força e vigor, como todos sabemos.
A origem dos refugiados também tem muito a ver com as dificuldades atuais, para eles como para a Bélgica. Vêm de mais longe, com culturas mais distantes da nossa. A adaptação torna-se mais difícil para eles e a aceitação da diferença da nossa parte também se complica. O que se verificou nas urnas em Portugal recentemente, tem altas probabilidades de se verificar também nas urnas belgas, pois a 9 de junho, para além das eleições europeias, os belgas terão um escrutínio para as legislativas federais e regionais.
E está-se assim a instalar um círculo vicioso : as pessoas saem dos seus países em busca de liberdade e de vida melhor, e as consequências desta chegada massiva de refugiados a nível político e económico levam os países de acolhimento a escolher opões políticas cada vez mais autoritárias.
A situação é extremamente complexa e eu estou um pouco pessimista pois penso que a situação vai ter tendência a agravar-se. As guerras, as desordens ambientais vão pôr cada vez mais gente nas rotas do exílio. E o que me torna pessimista é que só vejo busca de soluções para fechar as portas da Europa, o que se pode compreender, não se pode acolher toda a gente, mas infelizmente não vejo os nossos dirigentes a procurar remediar às causas dessas dificuldades.
Mas não vamos ficar com esta nota pessimista. Tristezas não servem de nada. São desmoralizadoras, só servem para perder forças e nada muda, nada encontra solução. É melhor ir buscar energia, a cantar.
E foi o que nós fizemos na terça-feira ao terminar o nosso serão com a atuação duma jovem cantora portuguesa, recém-chegada a Bruxelas, a Joana Costa, que nos presenteou com uma excelente interpretação de canções do Zeca Afonso. “Quem canta seus males espanta”, não é assim? !
Transcrição da crónica de Maria José Gama Caldas