9 de Dezembro, 2024

ARTES E CULTURA | Fausto Bordalo Dias, palavras de despedida e reconhecimento

Foto ©José de Nascimento

Morreu o melhor de nós

Fausto Bordalo Dias. Poeta. Músico. Inventor de estéticas. Matou-o o silêncio das rádios que não o passaram porque não era moderno, os prémios que não ganhou porque não era mediático, os festivais que não fez porque a sua música não era quadrada, a contabilidade dos poucos ‘streamings’ porque não escrevia a metro nem música é cálculo. Mataram-no os que nunca o viram ao vivo quando puderam, os que nunca o ouviram porque não quiseram, os que vão jurar que sempre o amaram, os que lhe vão fazer homenagens porque são urbanos e civilizados. Não lhe matem mais a Música por favor ! Já chega de heróis mortos com as canções estragadas pela ganância. Sou uma merda porque, também eu, colaborei para a construção deste ‘showbizz’ falso de esgoto e brilhantes. Mas ouvi-o, ouvi-o de novo, decorei-o, chorei-o, cantei-o e beijei-lhe as mãos quando um dia o encontrei para lhe dizer tudo isto. Morreste-me, Fausto. Morreste a um país inteiro cego para a Música e surdo para a Poesia. Até sempre! E perdoa a nossa miséria.

PEDRO ABRUNHOSA – Cantautor nas Redes Sociais

Fausto Bordalo Dias | 1948 – 2024

A Associação José Afonso manifesta o seu pesar pela morte do cantautor Fausto Bordalo Dias, um dos mais importantes expoentes do panorama musical português de sempre.

Fausto nasceu no meio do mar, num barco a caminho de Angola, em 26 de Novembro de 1948, e em Angola viveu até regressar a Portugal para estudar no ISCSPU, onde se licenciou.

Nasceu num barco e à ideia de barco regressa ao escrever essa obra magnífica “Por este rio acima”, em que o barco vai de saída, com grande agitação e alegria. Este disco guindou-o para uma carreira musical impar. Para além deste publicou vários discos, como, “Atrás dos tempos vêm tempo”, “Em busca das montanhas azuis”, “Para além das cordilheiras”, “O despertar dos Alquimistas” e outros. A Sua canção “Rosalinda”, marcou a sua posição de defensor da natureza, fazendo valer pela música, oposição à energia nuclear que se perspectivava para Ferrel.

Hoje, Fausto embarcou definitivamente na Barca de Caronte que o levou para sempre de nós. Para sempre! Mas não levou a sua música que pela enorme qualidade permanecerá na história e no imaginário musical português.

Participou, com José Afonso e outros, em múltiplas sessões musicais em agremiações, associações, colectividades, ao ar livre, em condições indizíveis, levando as suas mensagens de luta e resistência, através da música.

Assim vamos perdendo expoentes máximos da música portuguesa que assinalaram uma época de utopia e boa música em Portugal, como antes dele, Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, José Mário Branco. Agora Fausto.

Participou num concerto memorável, no Campo Pequeno, com Sérgio Godinho e José Mário Branco, denominado “Os três cantos”, em que tocaram as músicas mais significativas de cada um, entrecruzando universos diferentes, num jogo de grande beleza e harmonia.

Calou-se definitivamente um grande talento. É uma enorme perda para cultura portuguesa.

AJAA Associação José Afonso endereça à família e aos amigos a sua solidariedade e as maiores condolências.

1 de Julho de 2024

Por este rio acima

O que há de tão especial e único no Fausto (“notável”, como ele gostava de dizer), é o facto de ele ter criado um estilo pessoalíssimo, uma estética inspirada na música de raiz portuguesa, nos ritmos e até instrumentação própria, acrescentando a modernidade da sua forma de tocar a guitarra acústica, também ela pessoal e quase intransmissível. Cimentou esta estética nessa obra-prima chamada “Por este rio acima”, que está e estará sempre em lugar de honra na história da música portuguesa. Qualquer música.

De certo modo, ironicamente, o Fausto foi sempre seguindo (e perseguindo) a cartilha que ele próprio criou, com regras estritas e rigorosas, a que pouco fugia. Talvez a aventura dos “Três Cantos” tenha sido um pouco a excepção, porque entrecruzou três universos, e porque teve a batuta do Zé Mário Branco a dar-lhe uma unidade comum e particular. Um momento único para os três, de muito boa memória.

Não falei aqui de “‘O namoro”, que lhe “roubei”, e gravei antes dele próprio o fazer. E ponho de parte os sentimentos que me atravessam neste dia tão triste. Sabia-o doente, mas é sempre um choque quando a morte bate à porta de um amigo, e nem pede para entrar. (foto de Reinaldo Rodrigues, 2009).

SÉRGIO GODINHO – Cantautor, nas Redes Sociais

Fausto

Mais um dos mais importantes cantautores portugueses partiu. Apesar de há uns anos a esta parte se intitular de Fausto Bordalo Dias, sempre o conheci e tratei por Fausto.

Foi o primeiro com quem trabalhei de perto em disco, “Pró que der e vier” em 1974. Era fácil…. passáramos a adolescência a ouvir James Taylor, Paul Simon, Crosby Sills Nash & Young, entre outros… e o Fausto era o cantautor que melhor dominava a viola. Foi divertido encontrar soluções de arranjo para duas violas. Trabalhávamos na sua casa – música a música – o tempo que fosse necessário. Para além dos discos, toquei com ele nalguns concertos em Portugal e Espanha (muitos quilómetros na velha carrinha Citroen com o Alain Vachier).

Afastámo-nos quando comecei a trabalhar com José Afonso. Depois de ter gravado “Cavaquinho” em 1981, o Fausto, no ano seguinte, e depois da ligação que tivemos ao grupo de teatro a Barraca, achava o cavaquinho essencial naquele que considero um disco emblemático na história da música portuguesa – “Por este ria acima”.

Bom contador de histórias para aqueles com quem privava. Para todos nós ficam as histórias dentro das suas canções. “Atrás dos tempos vêm tempo e outros tempos hão-de vir”.

JÚLIO PEREIRA – Músico nas Redes Sociais

Fausto e a sua guitarra

Talvez seja do avançar da idade…que faz de nós mais piegas, mas acho que nunca, perante a morte de um grande artista, eu me comovi tanto como com a do Fausto. Sofri com a morte do Zeca, com a morte do Adriano, com a do Zé Mário , a do Pedro Barroso… e de outros. Mas o Fausto, talvez o único com quem eu nunca tive a oportunidade de privar pessoalmente, era para mim alguém que me tinha desde cedo despertado um grande fascínio não só pela originalidade e riqueza da sua música mas também pela admiração que eu tinha pela maneira fantástica, original e inimitável como Fausto dominava a sua guitarra , ou melhor, as suas guitarras desde a clássica, como a electro-acústica e a electrica. Ainda hoje, passados tantos anos são raros os intérpretes de guitarra que conseguem tocar aqueles acordes com aquele som, o dedilhar, com aquela harmonia e aquele balanço. Tentei algumas vezes mas desisti. Fausto tinha nas suas origens a guitarra dos ritmos angolanos e também a guitarra eléctrica do rock dos anos 60. Toda essa mistura culminaram numa técnica inimitável. Talvez pela guitarra dele , por aqueles tons bizarros e aquele ritmo que eu gostaria de saber fazer…eu tenha ficado tão próximo e agora tão sensível à sua morte.

RUI MELO PATO – Músico, nas redes Sociais

O Fausto partiu

Foi-se um dos maiores nomes da música portuguesa. Em Caldas da Rainha assinalamos duas actuações memoráveis: no Céu de Vidro, no fim de tarde da manifestação em Ferrel “Pela Vida, Contra o Nuclear”, onde pela primeira vez foi interpretado o tema Rosalinda (“em Ferrel lá p’ra Peniche vão fazer uma central/ que p’ra uns é nuclear mas para muitos é mortal”…), e nos 20 anos do 25 de Abril, no palco da S.I.R. Os Pimpões, num concerto organizado pela Casa da Cultura.

O Fausto partiu, rio acima, mas continuará a lembrar-nos um sonho lindo…

AJA – Núcleo das Caldas da Rainha

Editor

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