Marinha Grande, uma insurreição com a massa operária na rua a apoiar
DOSSIÊS SF | TRL – TERRAS DE RESISTÊNCIA E LUTA – N1 Janeiro 2022 | Marinha Grande
Não aconteceu por acaso, foi a ação mais relevante da greve geral de 1934, fracassou e marcou um período de refluxo do movimento operário até então dominado pelos anarco-sindicalistas. Um novo ciclo da história europeia tinha sido aberto, em 30 de janeiro de 1933, com a chamada de Hitler pelo Presidente alemão Marechal Paul Von Hindenburg para chefiar o novo governo. Em Portugal a Constituição do Estado Novo procurava legitimar o regime saído do golpe militar de 28 de maio de 1926.
O homem tomou posse, com o seu nariz pontudo e a afirmar-se salvador da pátria. Não esperou muito para ser desafiado nas suas intenções de repressão e esmagamento do movimento operário. Menos de um ano e meio depois, a greve geral contra o Estatuto do Trabalho Nacional que dissolvia os sindicatos e proibia a greve sinalizava a Salazar as intenções de luta e de resistência que iriam ocorrer nos anos vindouros.
Pedro Correia, arquiteto marinhense, lutador contra o regime organizou uma FICHA SINÓPTICA sobre o Movimento do 18 de janeiro de 1934 que aqui reproduzimos (e que também ilustrámos e reforçámos) ) para partilhar uma visão resumida e sintética da jornada insurrecional ocorrida na cidade vidreira.
Pedro Correia | Marinha Grande
MOVIMENTO DO 18 DE JANEIRO DE 1934
Contexto do Movimento – No plano sindical
Contexto geral
Publicação do Estatuto do Trabalho Nacional (inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini, proíbe os sindicatos livres, encerra os sindicatos existentes. Coloca a negociação coletiva, a nomeação e ação dos delegados sindicais e outras ações sindicais sob aprovação e controlo direto do governo) com entrada em vigor prevista para o início de 1934.
Contexto imediato
Redução dos salários (a pretexto de descontos para a criação do Fundo de Desemprego).
OBJETIVO
- Revogar o Estatuto do Trabalho Nacional
- Repor os salários
MEIO DE AÇÃO
Greve geral
LOCAIS DO PAÍS ONDE O MOVIMENTO TEVE AÇÕES
Almada
Barreiro
Coimbra
Lisboa (Poço do Bispo, Xabregas)
Marinha Grande
Porto
Silves
Retrato genérico
“A revolta do 18 de Janeiro de 1934 surgiu como movimento nacional de contestação à ofensiva corporativa contra os sindicatos livres, por força do recém-publicado “Estatuto do Trabalho Nacional e Organização dos Sindicatos Nacionais”, em Setembro de 1933, pelo Estado Novo.
O movimento saiu para a rua e desenrolou-se, embora desarticulado. Contudo, a falta de apoio militar e a fraca adesão e repercussão nacional condenou-o ao fracasso.
Registaram-se greves gerais de caráter pacífico em Almada, Barreiro, Sines, Silves, e manifestações operárias, mais ou menos violentas na Marinha Grande, Seixal, Alfeite, Cacilhas e Setúbal.
Foram sabotadas estruturas de transportes, comunicações e de energia entre Coimbra e o Algarve, com destaque para Leiria, Martingança e Póvoa de Santa Iria. Registaram-se confrontos armados com forças policiais em Lisboa e Marinha Grande, onde o movimento atingiu grandes repercussões.
Quando, em finais de 1933, se iniciaram os preparativos da insurreição e Greve Geral nacional do dia 18 de Janeiro de 1934, o centro industrial vidreiro da Marinha Grande não ficou de fora.
Em articulação com as organizações sindicais nacionais, o movimento foi liderado por José Gregório, Teotónio Martins, Manuel Baridó, António Guerra, Pedro Amarante Mendes, Miguel Henrique e Manuel Esteves de Carvalho.
Entre a meia-noite e as duas da manhã do dia 18 de Janeiro de 1934, vários trabalhadores da Marinha Grande, na sua maioria vidreiros, reuniram-se em Casal Galego.
Estavam munidos de ferramentas para corte de árvores e vias de comunicação, de espingardas, revólveres, pistolas e bombas. Organizaram-se em brigadas e receberam instruções por parte dos dirigentes do movimento. Cortaram as estradas de acesso à Marinha Grande e a via-férrea.
Ocuparam a Estação dos Correios e Telégrafos e o Posto da GNR, com a consequente rendição e desarmamento dos soldados da Guarda Republicana e distribuição de armas pelos revoltosos.
Foram assim criadas condições para que se pudesse realizar a paralisação geral do trabalho na manhã do dia 18 de Janeiro. Porém, o movimento foi contido logo ao início da manhã. Os insurrectos foram surpreendidos com a chegada à Marinha Grande das forças policiais vindas de Leiria. Seguiram-se o Regimento de Artilharia Ligeira 4 e do Regimento de Infantaria 7.
Os revoltosos ainda resistiram, mas, pela manhã, as autoridades tomaram a cidade, onde declararam o estado de sítio.
Mandaram encerrar as fábricas, iniciando as buscas e detenções daqueles que participaram no movimento, gorando o objectivo da paralisação geral do trabalho.
O número de detidos terá ascendido, a 131 pessoas. 45 revoltosos foram processados e condenados ao desterro pelo Tribunal Militar Especial, com penas entre 3 e 14 anos de prisão e ao pagamento de pesadas multas.
Nesta conjuntura iniciou-se um longo processo de luta contra o Estado Novo, contra a ditadura, a censura e o estado corporativo.
Reclamou-se o direito elementar à liberdade, do qual resultaram milhares de presos políticos, considerados de “especial perigosidade”. Alguns foram deportados para a ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde, nomeadamente para a Colónia Penal do Tarrafal, conhecida como o “campo da morte lenta”.
Os revolucionários do 18 de Janeiro foram derrotados num combate em que a heroicidade não bastava para vencer a enorme desigualdade de forças”
Texto de Vitriol – Associação Língua Cultura Lusófona
ORGANIZAÇÕES SINDICAIS PROMOTORAS DO MOVIMENTO
Envolvidas no movimento a nível nacional
CGT – Confederação Geral do Trabalho (anarco-sindicalista)
FAO – Federação das Associações Operárias de Lisboa (socialista)
CIS – Comissão Inter- Sindical (comunista)
Envolvidas na Marinha Grande
CGT – Confederação Geral do Trabalho (anarco-sindicalista)
CIS – Comissão Inter- Sindical (comunista)
LEVANTAMENTO INSURRECIONALNA MARINHA GRANDE
Operações concretizadas
Objetivo controlo das comunicações
- Obstrução das estradas (Marinha Grande – Leiria, Marinha Grande Vieira de Leiria, Marinha Grande – Pataias)
- Corte de via férrea na Martingança
- Derrube de postes telegráficos e telefones
- Assalto e ocupação da Estação dos Correios, Telefones e Telégrafos (CTT)
Objetivo controlo da ORDEM PÚBLICA
- Assalto ao Quartel da Guarda Nacional Republicana e rendição da GNR (das 3 às 5 horas)
Outros objetivos
- Tomada do edifício da Câmara Municipal
- Tomada da central elétrica
TEMPO DO PROCESSO
- Início das operações: 3 horas da madrugada no dia 18 de janeiro
- Controlo da situação pelos insurretos: das 5 às 8 horas do dia 18 de janeiro
- Término da insurreição (com a entrada das forças repressivas e controlo militar da situação)
- 8 horas: entrada de forças policiais seguidas pelo exército (Artilharia e Infantaria7)
- 9 horas : a marinha Grande está sob ocupação e controlo militar
DURAÇÃO DA INSURREIÇÃO (controlo da situação na Marinha Grande pelos insurretos
- Das 5 ás 8 horas da madrugada.
Irene Pimentel
Texto publicado em 18 de janeiro 2009
18 de janeiro de 1034 | Irene Pimentel
Logo que chegou à chefia do poder, em 5 de Julho de 1932, António de Oliveira Salazar começou a elaborar a Constituição sobre a qual assentaria o seu novo regime, o Estado Novo. Após ser plebiscitado, o texto constitucional foi promulgado em Abril de 1933, no ano em que o novo regime salazarista criou a polícia política (PVDE) e o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) e lançou as bases da legislação corporativa, que assentaria, depois da proibição das associações operárias, em Sindicatos Nacionais (SN) únicos e Grémios patronais todo-poderosos. Na luta contra o processo da chamada «fascização» dos sindicatos e num movimento de recusa de dissolução das organizações operárias nos SN e de formação de comités de base de luta por reivindicações económicas e liberdades políticas, ergueram-se os anarco-sindicalistas, os comunistas e alguns socialistas, respectivamente organizados na Confederação Geral do Trabalho (CGT), na Comissão Inter-Sindical (CIS) e na Federação das Associações Operárias (FAO), bem como elementos do Comité das Organizações Sindicais Autónomas (COSA).
No PCP, a linha de Bento Gonçalves e da direcção foi inicialmente de aproveitamento das assembleias-gerais que deveriam realizar-se para decidir da aprovação dos novos estatutos sindicais e aprovar moções de repúdio da nova legislação e dos sindicatos nacionais, gerando um movimento de massas que poderia vir a desembocar numa greve geral contra a «fascização dos sindicatos». O certo é que a táctica do PCP teve pouca aceitação na própria CIS, dirigida por José de Sousa, que aderiu à táctica da «greve geral insurreccional» e a partir de então os sindicalistas comunistas concentraram-se nos preparativos desta.
No processo de organização do movimento de resistência aos decretos sindicais do Estado Novo, revelar-se-ia assim dominante um projecto insurreccional, programado inicialmente pelos comunistas e anarquistas, organizados em Comités Sindicalistas Revolucionários (CSR), em conjunção com forças reviralhistas. Mas logo em Novembro de 1933, a PVDE conseguiu prender e deportar Sarmento de Beires e outros reviralhistas, participantes numa tentativa falhada de intentona que deveria coincidir com a «greve geral revolucionária», que após conhecer sucessivos adiamentos devido à repressão, foi marcada para 18 de Janeiro de 1934.
A polícia e o governo comportaram-se como se desejassem que o movimento deflagrasse para, em seguida, desmantelá-lo e reprimir os envolvidos. Parecendo estar ao corrente dos preparativos da «greve geral revolucionária» de 18 de Janeiro de 1934, a PVDE prendeu, na véspera, alguns dos principais dirigentes sindicalistas, entre os quais se contaram os anarco-sindicalistas Mário Castelhano e Acácio Tomás de Aquino e o reviralhista Carlos Vilhena, detido na madrugada desse dia. Em Lisboa, na noite de 17 para 18 de Janeiro, Salazar abandonou a sua residência, acolhendo-se, primeiro no Governo Civil e, em seguida, ao quartel de Caçadores 5, em Campolide, enquanto os pontos nevrálgicos da capital eram de imediato ocupados pelo Exército. As adesões à «greve geral» de dia 18 acabaram por se revelar reduzidas, registando-se paralisações e acções diversas em Lisboa, Coimbra, Leiria, Barreiro, Almada, Martingança, Silves, Sines, Vila Boim (Elvas), Algoz-Tunes-Funcheira e na Marinha Grande.
Na noite de dia 17, em Lisboa, rebentou uma bomba no Poço do Bispo e foi cortado o caminho-de-ferro em Xabregas, ao mesmo tempo que explodiam duas bombas na central eléctrica de Coimbra, colocada por anarquistas. Só na Marinha Grande, onde as lutas anteriores dos vidreiros tinham criado um ambiente propício, se foi mais longe: sob o impulso do sindicato (onde predominavam os comunistas), grupos de operários ocuparam o posto da GNR, o edifício da Câmara Municipal e os CTT, proclamando o «soviete da Marinha Grande». Tropas vindas de Leiria tomariam conta da vila poucas horas depois, ficando-se «greve geral insurreccional» por aí, com o governo a aproveitar para intensificar a caça aos libertários e comunistas.
Após a PVDE ter desmantelado as movimentações operárias, Salazar propôs, ao Conselho de Ministros, no dia 19, diversas medidas repressivas e sanções para os envolvidos nas acções da véspera. Considerados como participantes num «acto revolucionário», todos os dirigentes mas também qualquer mero aderente do movimento foram «sujeitos aos tribunais especiais». Numa nota oficiosa, o governo avisou também que iria «reprimir eficazmente a propaganda e as ideias dissolventes e atentatórias da moral pública e da ordem, bem como «promover a demissão de funcionários públicos» civis e militares envolvidos. Dos acontecimentos de 18 de Janeiro, resultou também a decisão de o governo criar, no sul de Angola, junto à foz do Cunene, um campo para os responsáveis revolucionários, e a vontade de erguer uma colónia penal em Cabo Verde. Esta viria a ser criada em 1936 no Tarrafal, para onde seriam enviados, logo em Setembro desse ano, os principais dirigentes detidos nos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934[1].
Nos dias subsequentes a 18 de Janeiro, houve porém um afrouxamento da censura e o governo não colocou limites à divulgação dos acontecimentos violentos da véspera. Pelo contrário, tudo fez para dar conta de um pretenso clima insurreccional, potenciando o impacto das acções violentas, em detrimento das greves, com o objectivo de assustar a população e apelar ao seu repúdio pelos acontecimentos. Além disso, o governo foi atribuindo crescentemente a autoria dos acontecimentos ao PCP, omitindo a participação dos elementos dos antigos partidos, dos reviralhistas e dos anarco-sindicalistas. Por exemplo, depois de ter referido estes últimos como os organizadores da «greve revolucionária», o ministro do Interior Gomes Pereira já quase não os nomeou, na conferência de imprensa realizada por ele no dia 19 de Janeiro.
O «18 de Janeiro» marcaria uma ruptura histórica no movimento operário português e o fim de uma época. Em primeiro lugar, foi o fim de mais de meio século de um sindicalismo sempre perseguido mas livre. O fracasso dos acontecimentos de 18 de Janeiro de 1934 levaria também ao fim da hegemonia do anarco-sindicalismo no movimento operário e sindical português, devido à violenta repressão que desabou sobre a CGT e o movimento libertário, que revelaram grandes dificuldades de sobrevivência na clandestinidade. Mais apto em actuar nessas condições adversas e passando a partir de então a hegemonizar a oposição ao regime, o PCP também viria a sofrer uma mudança, abandonando gradualmente o seu carácter ainda «pré-leninista», muito marcado pela herança anarco-sindicalista e pela colagem ao reviralhismo.
Finalmente, a partir de então, a nível do regime salazarista, derrotados os anarco-sindicalistas e os reviralhistas à sua esquerda, e os nacionais-sindicalistas à sua direita, o Estado Novo erigiria os comunistas como seus principais inimigos. Efectivamente, após o desmantelamento do movimento revolucionário de 18 de Janeiro de 1934, Salazar introduziu, pela primeira vez no seu discurso, um novo elemento – o comunismo e o perigo comunista. Foi Franco Nogueira que o disse, ao acrescentar que, através desse discurso, o País compreendia que estava «perante uma nova opção: a ordem social existente ou uma ordem social» que a destruísse por inteiro. O certo é que esse novo tema foi lançado por Salazar, no final do próprio mês de Janeiro de 1934, numa sessão de apresentação da nova organização de juventude estatal, a Acção Escolar Vanguarda (AEV). Depois de avisar que o Estado Novo não reconhecia as «liberdade contra a Nação, contra o bem comum, contra a família contra a moral», afirmou, aos jovens, que constituiriam «a geração do resgate» de que haveria de «nascer o mundo novo», que o comunismo se havia convertido na «grande heresia da nossa idade».
[1] Entre os participantes no «18 de Janeiro de 1934», morreriam no campo de concentração do Tarrafal, Pedro Matos Filipe e Augusto Costa, em 1937, Arnaldo Simões Januário, em 1938, Casimiro Ferreira e Ernesto José Ribeiro, em 1941, Joaquim Montes, em 1943, Mário dos Santos Castelhano e Manuel Augusto da Costa, em 1945, bem como António Guerra, em 1948.