Um dia na Marinha Grande
DOSSIÊS SF | TRL – TERRAS DE RESISTÊNCIA E LUTA – N1 Janeiro 2022 | Marinha Grande
O 18 de janeiro de 2022
Pouco depois de batermos a porta do carro, estacionado à frente da da Guilherme Stephens, já estávamos na cafetaria da escola a contactar, quase espontaneamente, com o 18 de janeiro de 1934. Expostas numa parede do fundo da sala, uma dúzia de fotografias dos protagonistas mais representativos da insurreição marinhense e alguns cartazes serviam de cenário ao café da manhã.
O dia prometia, apesar das máscaras e da incerteza do calor do sol matinal, os anfitriões Teresa Santos, João Teixeira e Pedro Correia anunciavam, pela postura reflexiva e ao mesmo tempo especulativa sobre o tema central da jornada e pela informalidade no relacionamento, uma jornada fora do comum.
Mafalda
Não tardou a confirmar-se a excecionalidade nas situações vividas no quadro de um programa de visita pensado de forma relativamente banal quando, ainda com o café por terminar, foi possível estar à conversa com a bisneta de José Gregório. Jovem conhecedora do histórico da sua família a estudante naquele estabelecimento escolar, Mafalda acompanhou a apresentação da exposição ali presente e comentou as nossas declarações de valorização e de admiração pelo operário vidreiro revolucionário que, como refere Helder Costa da A Barraca “nasceu a 19 de Março de 1908 na Marinha Grande e começou a trabalhar como operário vidreiro, aos 8 anos de idade. Participou activamente na formação do Sindicato Nacional da Indústria do Vidro em 1931. Nesta qualidade assumiu a preparação e organização da jornada do 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos, pela defesa da livre organização dos trabalhadores e dos seus direitos, contra a ofensiva patronal e do Estado fascista, que tomou um carácter insurreccional na Marinha Grande”.
Mafalda bisneta de José Gregório
O monumento ao 18 de janeiro
Fizemos o percurso da Guilherme Stephens ao monumento ao 18 de janeiro num abrir e fechar de olhos. O tempo suficiente para acertamos agulhas sobre os nomes relevantes da preparação e da organização do levantamento insurrecional. Sobre o monumento o esclarecimento sobre o plano inicial da sua localização, obra do escultor marinhense Joaquim Correia, que devia ter sido colocado lateralmente num espaço aberto e adequado, numa altura em que a área central da praça não tinha a rotunda e não comportava qualquer monumento no centro, foi entretanto colocado centralmente, por alteração das condições para melhor, com a intenção de ser destacado e valorizado.
A escultura que é composta por duas peças de suporte maciço e uma estátua que representa um operário vidreiro armado encontra-se, parcialmente, em Vila Nova de Gaia para reparação e revalorização estrutural.
A intenção do município de a recolocar no espaço inicialmente previsto está a provocar reações muito negativas de alguns setores políticos e sindicais que de alguma forma promovem a ideia que esta nova opção obedece a uma estratégia de secundarização do monumento e do próprio 18 de janeiro de 1934, o que é negado pela autarquia local.
Museu em espaço simbólico
O museu do 18 de janeiro está instalado no espaço original do qual partiram alguns operários vidreiros que iriam concretizar o plano insurrecional estabelecido que consistia em tomar de assalto o posto da GNR, ocupar os correios e a Câmara Municipal.
Neste espaço que se encontra um pouco afastado do centro constam os elementos informativos essenciais sobre a revolta e sobre as suas consequências.
O vidreiro e o lenço vermelho
As ruas da Marinha Grande preparam-se para a manifestação convocada pelo Sindicato dos Vidreiros e pela CGTP. Aqui e ali surgem bandeiras ao vento e grupos que se deslocam a pé convergindo para a rotunda do monumento.
Um vidreiro, com os apetrechos que simbolizam a profissão, com um lenço vermelho em destaque que se agita ao sabor da movimentação, circula na sua bicicleta com um rumo seguro. Neste dia, na Marinha Grande, ser vidreiro significa ser passado e presente ao mesmo tempo. Trata-se de um sentimento de classe que o 18 de janeiro enraizou para sempre na localidade.
Manifestação e concentração
O desfile é encabeçado pelos tambores do Tocándar que Paulo Tojeira comanda com mestria. Jovens de muitos acasos e muitas experiências fazem ouvir o som da festa que arrasta consigo involuntariamente ritmos de militares. Os percussionistas fornecem à manifestação da Rotunda uma solenidade que os microfones com feedback teimam em neutralizar sistematicamente. O percurso das faixas foi curto e os discursos foram sóbrios. Cumpria-se o 88º aniversário da revolta do 16 de janeiro de 1934 na Marinha Grande com exigências claras sobre a localização do monumento na rotunda onde ele se encontra.
Autarquias solidárias e presentes
Neste dia de festa e de luta as instituições acompanham as iniciativas e participam nos diversos eventos que constam do programa. A Junta de Freguesia e a Câmara Municipal foram autarquias presentes e apoiantes dos eventos em termos logísticos e financeiros.
Com a Presidente da Junta de Freguesia da Marinha Grande Cristina de Jesus e Sousa Com o Presidente da Câmara Municipal da Marinha Grande Aurélio Ferreira
Conta-me como foi
Ao princípio da tarde no auditório da Escola Calazans Duarte realizou-se um debate sobre o 18 de janeiro de 1934 organizado pelo Grupo de História do Agrupamento de Escolas da Marinha Grande que reuniu quatro oradores locais, Hermínio Nunes, Paulo Tojeira, Pedro Correia e António Aires Rodrigues, tendo a Mesa Redonda sido moderada pelo SEM FRONTEIRAS.
Um debate vivo com um anfiteatro repleto de jovens que acompanharam as diversas narrativas e abordagens sobre as causas, os acontecimentos e as consequências do levantamento insurrecional do 18 de janeiro de 1934 na Marinha Grande.
Na ACR da Comeira
A jornada do 18 de janeiro de 2022 terminou na Associação Cultural e Recreativa da Comeira, um espaço associativo que marca o território pelas suas iniciativas no campo cultural e desportivo. Voltaremos a falar sobre esta importante instituição da Marinha Grande cujo Presidente, Carlos Franco, em companhia do amigo e camarada Aires Rodrigues, teve a amabilidade de nos fazer visitar as instalações e a partilhar as experiências e iniciativas que ocorrem naquele espaço de cultura e recreio popular..
Fotos Sem Fronteiras /CR e João Teixeira