Crise energética e evolução da economia europeia
AMBIENTE & ECONOMIA | 14 de março 2022
por Carlos Marins Pereira | Economista
Tempos difíceis estes que temos passado, é verdade. Não sei se agravados pelo facto de os tempos terem mudado tanto, no que diz respeito à informação que nos chega a todo o momento e na maioria dos casos trabalhada, despropositada e em moldes da chamada acção psicológica utilizada nas guerras e combates, de militares para militares, para incutir força, elevar o moral das tropas ou fazer-lhes acreditar em “verdades” que são estratégicas para conseguir levar a bom porto as acções programadas.
Mas não temos a informação supostamente isenta ou o mais perto disso que se consiga. Todos sabemos que informação isenta é uma mera utopia, pois toda ela é feita, preparada por mentes humanas e, essas, estão sempre condicionadas por aquilo que cada um pensa, em que acredita e nos seus interesses directos. De momento, para além da transmissão da guerra em tempo real, levada ao ridículo de nos fazerem ver, inclusive, os próprios quartos dos jornalistas, filmes e fotos de terror que mais não fazem que atentar contra a privacidade dos sujeitos que as interpretam e semear o pânico, terror e dar cabo da saúde da generalidade de quem paga para ver e ouvir, sempre versões de uma das partes, as atenções, pelo efeito directo na vida diária presente e futura de todos nós, centram-se nos combustíveis, na previsível escassez ou no forte aumento do seu custo.
De passagem, arranjam sempre comentadores que juntam uma achega sobre os impostos arrecadados pelo Estado sempre em tom de que esses impostos não são para o bem e as necessidades prementes de todos os cidadãos mas para “encher a barriga” aos governantes. De uma vez por todas, os impostos, esses sobre os combustíveis e os outros, apesar de por vezes haver desmandos, sabemos que existem cá, lá nos outros Estados e, como diz o outro, também “pelo caminho”, são para acudir e manter os cuidados de saúde, a educação, as necessidades mais comuns e a sociedade a funcionar. Se o Estado baixa a recolha de impostos, a falta de recursos que é própria de um país que os gera em menor escala do que o que necessita, colocar-nos-á como nos tempos em que houve que pedir ajuda externa, com as consequências que todos pudemos, infelizmente, conhecer.
Tudo poderia ser explicado com mais objectividade e com facilidade.A União Europeia, no seu conjunto, tem produzido, desde há muito, cerca de 20 % da energia de que necessita. Mas a produção agravou-se, para muito menos nos dois últimos anos. Para 13% em 2020 e 9 % em 2021. Causas? A produção de quase tudo caiu significativamente com o avanço da pandemia. Trabalhadores impossibilitados de trabalhar, infectados, empresas a trabalhar a meio gás, outras fechadas, uma situação dramática, como é sabido. Da Federação Russa temos importado quase sempre cerca de 40% da energia consumida pela UE. Pelo conjunto da UE e não por Portugal individualmente. Baixou nos últimos dois anos para 30 e tal por cento da produção global, devido à quebra já falada.
A UE importa ainda da Noruega cerca de 22 a 24% e tem também importado de outros países como a Argélia, Líbia e Azerbaijão, cerca de 12 % com aumento acentuado para os 20% nos últimos dois anos. Ao contrário do que se possa entender das entrelinhas de muitas notícias que não o dizem claramente, Portugal, da Russia, apenas importa cerca de 4% tanto de petróleo como de gás natural! As nossas importações são, sobretudo, do Brasil com cerca de 30%, Nigéria com 25% e EUA com cerca de 20%. O resto tem pouco significado, tudo a 2 ou 3% como de Espanha, Argélia e outros. Conclusão, não estamos dependentes do petróleo ou gás russo. Mas somos significativamente dependentes em termos energéticos, não produzimos o suficiente nem pouco mais ou menos, para o que consumimos ou necessitamos. E convirá deixar outra informação. É que procedemos a uma significativa alteração das fontes de produção de energia em Portugal. Em vez de a economia portuguesa depender maioritariamente das origens fósseis, no presente provém dos fósseis apenas 33% e com origens renováveis o restante! Mas tudo isto, este panorama da economia portuguesa e suas dependências energéticas está em profunda e continua alteração de acordo com a evolução do conflito entre a Russia e a Ucrânia. Em particular, é sabida a enorme volatilidade dos mercados financeiros, a que o cidadão comum se habituou a dizer que os “Mercados” são muito “nervosos”. É verdade e ilustra bem. É, sobretudo, uma questão de confiança, no presente e de expectativas futuras. E, por isso mesmo, os mercados accionistas mundiais logo acentuaram as quedas. Agravadas com enormes vendas de activos russos, por todo o lado e enquanto foi possível.
Precisamente devido à gestão das expectativas, os preços do petróleo e gás dispararam em flecha, houve uma significativa queda das taxas de juro reais e as moedas, o dólar americano, franco suíço e o iene, apreciaram com significado relativamente ao euro, o que nos tornará a vida, os preços das importações, mais difícil futuramente. A manter-se esta situação e tendência. É um facto que todos, tirando os especuladores de profissão, somos avessos a maiores riscos.
Creio que os Bancos Centrais tenderão a aumentar as taxas de juro, a conter as tendências de forte aumento da inflação e, como agora está em moda dizer-se, evitar ou minorar as tendências estagflacionistas. Penso sinceramente que os Bancos Centrais, apesar dos maiores riscos incorporados nas empresas, nos mercados e nos créditos, aumentarão as taxas de juro menos que o esperado para não arrefecer tanto as economias e a produção das empresas com uma inflação que com a crise energética poderá rapidamente situar-se, em média, nos 6%, com tendência para aumentar.
E esta situação manter-se-á se a guerra vier a ser persistente e duradoura, com significativos agravamentos, por exemplo, na venda de activos russos, venda de moeda russa e depreciação significativa, maiores quedas nos mercados accionistas e os Bancos Centrais a manter-se fieis aos seus planos de restrição monetária. Mas, mesmo assim, com maior inclinação, acentuada, na curva de rendimentos que se tornará negativa. Com a situação de conflito persistente, poderá ocorrer um efeito de contágio do colapso dos Bancos russos transmitindo-se a outras economias e sistemas bancários mundiais, como aconteceu com os Bancos americanos na crise do subprime em 2008/ 2013.
Notemos que as sanções à Russia se focam, sobretudo, no sector financeiro com grande impacto no afastamento dos Bancos russos do sistema Swift de enorme eficiência, rapidez e credibilidade, não se registam fraudes ao longo de muitas décadas de funcionamento, nas movimentações de fundos no comércio internacional. Mesmo com estes cenários, o crescimento nas economias da área do euro, continua a ser previsível entre os 2,5 a 3,5 % contra os 4%, em média, projectado antes do inicio do conflito.
Isto, suportado e conseguido muito à custa da criada “Recovery and Resiliente Facility” . Se assim acontecer, a inflação esperada para 2022 será em média de 2% em 2022, 2023 e 2024, o que é muito razoável. Mas, muita atenção, pois isto é conclusão do “cenário base” trabalhado e discutido pelo Banco Central Europeu (BCE) na sua reunião desta semana em que não alterou as taxas de juro.Baseia-se em previsões que apontam ainda para um ligeiro crescimento no segundo trimestre do ano em curso e crescimento zero no terceiro trimestre de 2022. Se isso resvalar e houver o chamado “crescimento negativo”, que detesto utilizar mas está muito em uso pelas instâncias internacionais, então entraremos em “recessão técnica” no espaço do Euro, o que é mau. Qualquer quebra nos abastecimentos de energia e gás à Europa, sem que seja encontrada com brevidade uma alternativa de fornecimento, levará a um aumento abrupto nos preços, sobretudo da alimentação, nos bens alimentares, e possível falta desses géneros, os cereais, e causará, sem dúvida, uma recessão alargada.
É previsível que o barril de brent possa com rapidez oscilar entre os 130 e os 150 USD e o gás natural dos 180 aos 200 Mwh na Europa.Aí, o BCE deverá adoptar o chamado tom de falcão, severo na política monetária, o “hawkish tone”. Neste quadro, mesmo a tão anunciadas subidas de taxas de juro, pelo BCE, nunca deverá ser superiores a 25 pontos básicos entre 2022 e o primeiro trimestre de 2023.Tenhamos, contudo, esperança numa resolução por via das negociações.
Aí, nesse caso, tudo melhorará, os mercados accionistas, a manutenção de taxas por parte do BCE, a diminuição da inflação e o tal nervosismo dos mercados financeiros.Tenhamos esperança que os próprios interesses das economias russas e ucranianas não empurrarão o Mundo para precipícios que podem ser fatais para a humanidade.
Carlos Pereira Martins(Economista, Membro dos Orgãos Nacionais da Ordem dos Economistas)