H| Luxemburgo, o preço da desobediência debaixo da bota nazi alemã
SEM FRONTEIRAS | 30 de dezembro 2020 | História com H grande | Luxemburgo
António Paiva pesquisou, organizou o percurso temático e desenvolveu a matéria que nos propõe com consistência e profundo sentido pedagógico. O autor não esquece os propósitos que o movem nesta produção e reflexão quando afirma “Aqueles que tiveram a coragem de desobedecer ao regime de Salazar e disseram não à guerra colonial, compreendem certamente uma tal situação”. Assim fica a ligação estabelecida, a desobediência como ato de coragem e de ação política não tem fronteiras. CR, sf
O preço da desobediência, debaixo da bota nazi alemã
por António Paiva, Luxemburgo
Em 1929 começa uma das maiores crises económicas da história. Ela não poupa o Luxemburgo. Na Europa inteira, as populações não vislumbram soluções imediatas para a saída da crise que, lenta, mas seguramente, as empurra para a precariedade, o desespero, a miséria.
A Alemanha, país vencido na Primeira Guerra Mundial, é uma nação arruinada. Nos anos 1920 vive-se um clima tenso, para não dizer explosivo. Entre a raiva saída da derrota e as dificuldades provenientes do contexto económico e político da época e do medo que o futuro anunciava (medo do comunismo), a jovem Républica Weimar estava a braços com um enorme défice simbólico, político e económico. Este contexto é, évidentemente, favorável à formação de correntes antidemocráticas. Pequenos grupos de extrema direita nascem por todo o lado na Alemanha. Entre eles destaca-se o DAP “Deutche Arbeiter Partei” (Partido dos Trabalhadores Alemães).
Fundado em 1919 por Anton Drexler, o DAP, desde cedo, despertou o interesse de Adolf Hitler, tendo ele próprio desenhado a sua bandeira. Um círculo branco, marcado com uma suástica, sobre fundo vermelho.
Nazis
No dia 24 de Janeiro de 1920, o partido apresenta o seu programa em 25 pontos e é, ao mesmo tempo, rebaptizado NSDAP: “National-sozialistiche Deutche Arbeiter Partei”, (Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães). Por outras palavras, o partido nazi.
Os nazis consideram que os alemães são uma “raça superior”, mas que foram traídos e enfraquecidos pelos democratas, os socialistas, os comunistas e os judeus. Eles vão persegui-los assim que o seu líder, Adolf Hitler, chega ao poder em 1933.
Os nazis querem em seguida construir um “espaço vital”, para assim fazer do Terceiro Reich uma superpotência que reuna todos os indivíduos de “sangue alemão”, por exemplo, os Austríacos, os Alemães da Checoslováquia ou da Polónia e também os Luxemburgueses.
Guerra
No primeiro de Setembro de 1939 a Alemanha invade a Polónia. A França e a Grã-Bretanha declaram-lhe guerra no dia 3 de Setembro. Foi o começo da Segunda Guerra Mundial na Europa.
A partir do dia 10 de Maio de 1940 os alemães atacam a França e a Grã-Bretanha. Na passagem invadem os Países Baixos, a Bélgica e o Luxemburgo, países neutros.
O Luxemburgo acabava de celebrar, em 1939, o centenário da sua independência, proporcionando assim, ao povo luxemburguês, a oportunidade de exprimir o seu apego e amor pelo país.
Antes da guerra, o Luxemburgo tem uma população de cerca de 290.000 habitantes. Com a ocupação, cerca de 90.000 são evacuados para várias regiões, especialmente para o norte do país e sul da França. A Grã-Duquesa Charlotte e o governo deixaram o país e formaram um governo no exílio. A sua saída, precipitada, deixa o Estado sem direcção. A Câmara dos Deputados vota então a criação de uma “Comissão Administrativa”, que foi formalizada em 11 de Maio de 1940.
Com a queda de Paris, a 14 de Junho de 1940, a França deixa de ser um lugar seguro. A Comissão estaria disposta a colaborar com os alemães, no caso estes reconhecessem a independência do Grão-Ducado. Os alemães recusam. Eles consideram que o Luxemburgo deve fazer parte da Alemanha. Entretanto, no exílio, o governo Luxemburguês posiciona-se ao lado dos Aliados.
Gauleiter
O homen escolhido por Hitler, para fazer do Luxemburgo uma parte da Alemanha foi o Gauleiter Gustav Simon. “Gauleiter” é o titulo de um lider distrital do partido nazi. “Gau” designa uma região (distrito). Gustav Simon é portanto o responsável nazi do Gau Koblenz-Trier, que faz fronteira com o Luxemburgo.
No dia 21 de Julho de 1940 ele é nomeado “Chef der Zivilverwaltung”(CdZ), (chefe da Administração Civil) do Luxemburgo.
Simon começa por assegurar o controlo das administrações. Mantém a maioria dos funcionários luxemburgueses, mas confia os lugares mais importantes aos alemães. Ele suprime em seguida tudo o que faz do Grão-Ducado um estado independente: a bandeira, o parlamento, a força armada, assim como a Companhie des Voluntaires. (Antes da invasão o Luxemburgo é um país neutro. Existe no entanto uma pequena força armada com o nome de Companhia dos Voluntários).
O ocupante vai integrá-la na polícia. 264 dos 461 soldados irão finalmente parar à prisão ou ao campo de concentração, por terem desobedecido aos alemães. 77 morrem em cativeiros durante operações militares. 14 outros são enviados em Junho de 1942, para a “Reserve –Polizeibataillon 101”, uma unidade alemã, que no quadro da Shoah, fuzila 38.000 judeus na Polónia ocupada e envia 45.000 outros para os campos de extreminação.
Assim começou o inferno do povo Luxemburguês. O país é integrado no novo Gau Moselland.
Integração
O “Gauleiter” Simon, representante de um regime totalitário, não deixa liberdade nenhuma aos seus cidadãos, controlando ao mesmo tempo todos os aspectos da sua vida quotidiana. Ele exige que os luxemburgueses se integrem na “Volksgemeinchaft” (Communauté nationale) nazi, que façam a saudação Hitleriana, que participem nas manifestações do regime, que se façam membros das organizações nazis e do “Volksdeutsche Bewegung” (VdB) (Movimento dos Alemães étnicos).
Recusar é arriscar perder o emprego, ser mudado, à força, para a Alemanha, ou, para os jovens, não terem acesso aos estudos. Opor-se, ou resistir, é arriscar caír nas mãos da Gestapo (polícia secreta do regime nazi).
Durante a ocupação cerca de 3.500 homens e 500 mulheres do Luxemburgo são enviados para a prisão, ou campo de concentração, por razões políticas. 800 aí morrem.
Francês
Os nazis partem do princípio que os luxemburgueses são alemães que se extraviaram dos outros alemães à força de falar e de pensar en francês, razão pela qual o Gauleiter proíbe a utilização dessa língua na administração pública, nos tribunais, nas escolas e mesmo as simples saudações como “merci” e “au revoir” não são admitidas. Ele ordena mesmo que os nomes e apelidos que soam francês, sejam modificados por nomes e apelidos alemães.
O Gauleiter acaba, no entanto, por constatar que não é suficiente livrar os luxemburgueses da influência cultural estrangeira para os tornar ”verdadeiros” alemães, pois que muitos deles não são da “raça” Alemã, segundo a ideologia nazi, por exemplo os de origem italiana, francesa ou belga. Para saber quem deve ser considerado como alemão, o Gauleiter organisa um censo, para permitir ao estado de contar os habitantes e de recolher os seus dados pessoais: nome, apelido, idade, morada, etc.. Nos formulários do 11 de Outubro 1941 é obrigatório também indicar a nacionalidade, a língua materna , a “raça” e declarar se é ou não judeu.
A estas questões, os movimentos da resistência lançam o apelo para responder “três vezes Luxemburguês”. A palavra de ordem da resistência tem por fim o boicote do censo, para o transformar num “Referendo”, quer dizer, num voto pela independência do país. Muitos foram os que seguiram a palavra de ordem da resistência, mesmo correndo o risco de serem identificados pelos alemães, que têm todos os dados pessoais, incluindo a religião.
Quantos foram? Suficientes para que o censo fosse anulado. A resistência ganhou. Humilhado, o Gauleiter manda prender 200 resistentes, dois dos quais são decapitados em Fevereiro de 1942.
Deportação
Em 1940 vivem no Luxemburgo cerca de 4.000 judeus. 980 são luxemburgueses, cerca de 1.000 são estrangeiros chegados antes de 1933, os outros são refugiados, sobretudo alemães e austríacos, chegados depois de 1933. No dia da invasão, mais de 2.000 fogem para a França e para a Bélgica. Cerca de 900 outros, conseguem deixar o país até meadas de Outubro de 1941. Nesse momento os alemães fecham a emigração. Muitos deles são enviados em primeiro lugar para um convento confiscado, em Cinqfontaines, que os alemães transformaram em campo de internamento. No final 700 judeus do Luxemburgo são deportados para os guetos dos campos de exterminação. Cerca de 600 outros, refugiados na França ou na Bélgica, seguem o mesmo destino. Quase todos eles são assassinados no contexto da Shoah.
Resistência
As primeiras organizações da resistência foram criadas em Agosto-Setembro de 1940, Politicamente com linhas diferentes, mas todas com um objectivo comum, libertar o Luxemburgo e devolver-lhe a sua independência.
As primeiras tentativas de organizar a resistência contra o ocupante nazi, nasceram no meio do movimento escoteiro. Em meados de Agosto de 1940 os chefes dos escoteiros católicos do distrito do sul, juntaram-se em Esch-sur-Alzette e decidiram resistir aos alemães. A mesma reacção se manifestou, mais tarde, no Luxemburgo, em Diekirch e em Wiltz. Como resultado os nazis proíbem o movimento escoteiro no Luxemburgo. A organização continua, no entanto, a sua existência, na clandestinidade, sob a sigla LS. “Letzëbuerger Scouten an der Resistenz” (Escoteiros Luxemburgueses na Resistência).
A partir de Fevereiro de 1941 a resistência comunista criou o jornal clandestino “Die Wahrheit” (A Verdade), que em conjunto com os 19 números do “Ons Zeidong” (Nosso Jornal), editados pelo movimento “l’ALWERAJE” (abreviatura dos nomes dos fundadores, Albert, Wenzel, Raymond, Jean) de Schifflange, conseguiu, enquanto que imprensa de esquerda, criar uma forma de informação livre no meio operário.
As prisões que dizimaram, a partir de Novembro de 1941, diferentes grupos de resistentes, levaram a que a LVL (Legião Popular de Luxemburgo), a LPL (Liga dos Patriotas de Luxemburgo) e o LRL (Leão Vermelho de Luxemburgo) se transformassem nos grupos mais importantes aos quais se vieram juntar os sobreviventes dos grupos desmantelados. No Verão de 1941, luxemburgueses em Bruxelas tentaram dirigir-se aos seus compatriotas que habitavam a capital belga e decidiram criar um jornal “De Freie Lötzeburger” (O Luxemburguês Livre) que publicou 17 números entre Outubro de 1941 e Agosto de 1942. A LPL que tinha criado uma secção reagrupando os luxemburgueses que habitavam Bruxelas desenvoloveu vários contactos, que levaram a que o jornal fosse reestructurado e, no Verão de 1942, passou a chamar-se “Ons Hemecht” (A Nossa Pátria), com uma tiragem de cerca de 600 exemplares que eram transportados para o Luxemburgo para aí serem distribuídos.
Uma outra forma de luta contra a propaganda alemã a favor do “Heim ins Reich”, era a distribuição de panfletos copiados à mão ou à máquina e mais tarde policopiados, lançados nas ruas ou passados a colegas e amigos com o fim de criar uma contra-propaganda e reafirmar assim o espirito patriótico dos luxemburgueses.
Estar nas fileiras da resistência era escolher o combate contra o regime totalitário. Essa escolha, ditada sobretudo por uma consciência cívica, era perigosa para os resistentes e suas famílias. Aqueles que decidiram alinhar-se nas suas fileiras sabiam certamente que poderiam ser denunciados e enviados para os campos de concentração, sobretudo para o de Hinsert a 80km do Luxemburgo. Só neste campo foram internados 1.560 luxemburgueses dos quais , pelos menos 82 aí encontraram a morte.
Muitos resistentes pagaram com a sua própria vida o combate pela independência. A maioria eram jovens: mais de metade tinham menos de 26 anos e cerca de 5% tinham mesmo menos de 16 anos.
Jovens
Os jovens eram um alvo privilegiado dos nazis, eles pensavam que eram mais facilmente influenciados e vulneráveis à sua propaganda. A Alemanha precisava de jovens, pois faltavam cada vez mais trabalhadores e soldados. Em Junho de 1941 ela invade a Russia, em Dezembro do mesmo ano, ela declara a guerra aos Estados-Unidos.
O “Reichsarbeitsdienst” (RAD), é um serviço de trabalho de seis meses para rapazes e raparigas de 18 a 24 anos. Ele foi introduzido no Luxemburgo em Fevereiro de 1941. Como havia poucos voluntários ele acabou por ser declarado obrigatório, três meses mais tarde. Muitas das jovens raparigas que cumpriam o tempo no RAD deviam fazer também o “Kriegshilfsdienst” (KHD), um (serviço militar auxiliar), com a duração de 6 meses. 3.614 luxemburgueses são compulsivamente recrutados durante um ano. 58 deles morreram em bombardeamentos.
No dia 30 de Agosto de 1942, foi o serviço militar que foi declarado obrigatório. A maioria da população recusa que os seus filhos morram pela Alemanha. Uma greve geral foi decretada, para protestar contra tal decisão.
Greve geral
Como foi possível, um país tão pequeno, sob ocupação nazi, ter a coragem de, massivamente, dizer não à ocupação e ao serviço militar obrigatório nas fileiras da “Wehrmacht”? A greve começou no dia 31 de Agosto de 1942 às 7 horas da manhã em Wiltz, na fábrica de curtumes Idéal e rapidamente se alastrou por todo o país, seguida em várias empresas industriais, escolas e função pública. No sul ouviram-se as sirenes accionadas pelos operários metalúrgicos da ARBED.
A repressão foi dura e sangrenta. O Gauleiter decretou o estado de sítio e instituiu um tribunal marcial. 125 grevistas são presos e entregues à Gestapo. 21 são condenados à morte e executados. 260 estudantes (a maioria alunos do liceu) são enviados para a Alemenha, para aí “serem reeducados”. Por outro lado, o Gauleiter decide fazer apuramentos e transferências na população. As famílias que ele e os pró-alemães (colaboradores e outros), consideram indesejáveis, as dos grevistas, dos resistentes, de responsáveis politicos, de desertores e refratários, são levadas, à força, “ëmgesidelt” para a Alemanha e substituidas por famílias alemães. Ao todo 1.400 famílias, que somam 4.200 pessoas, são reinstaladas, à força, no leste do Reich. Os seus bens são confiscados e elas são obrigadas a trabalhar para a industria de guerra alemã.
Cerca de 10.200 jovens luxemburgueses de 18 a 24 anos, são incorporados à força e integrados nas fileiras do exército alemão “Wehrmacht”. Mais de 2.800 morrem ou são dados como desaparecidos sob o uniforme do ocupante.
Desde o início cerca de 2.000 jovens não respondem à chamada, são os refractários e cerca de 1.500 desertam do exército alemão, são os desertores. Uma parte deles passam as fronteiras e refugiam-se na França ou na Bélgica. Muitos juntam-se aos exércitos aliados , outros entram na Resistência.
Apoio
Esta alimenta e esconde cerca de 3.600 desertores e refractários, em casas particulares, sótãos ou celeiros. O apoio de uma parte da população é vital. Outros refugiam-se em “bunkers”, grandes esconderijos subterrâneos montados e organizados, na floresta, pela Resistência. O maior foi a galeria de Hondsbësch em Niederkorn, uma mina abandonada onde chegaram a viver até 122 desertores e refractários durante meses. Outros bunkers célebres foram os de Kaundorf, de Boulaide e ainda outro, de trágica memória, o de Heinerscheid que os Alemães tinham descoberto e fizeram explodir com 6 refractários no interior.
Resistentes luxemburgueses
Por toda a parte, em vilas ou aldeias, havia patriotas dispostos a arriscar a sua vida para ajudar os refractários, os desertores e os resistentes procurados pela Gestapo. Era o caso dos passadores luxemburgueses que os ajudavam a passar as fronteiras para se refugiarem no sul da França, Espanha e alguns foram mesmo parar a Lisboa, como foi o caso de um jovem luxemburguês de Ettelbrück, que deixou um irmão de 21 anos preso num campo de concentração alemão.
Aqueles que tiveram a coragem de desobedecer ao regime de Salazar e disseram não à guerra colonial, compreendem certamente uma tal situação.
Combater
É um verdadeiro “milagre”, quando se sabe que o país é pequeno e minuciosamente controlado, que a comida está estritamente racionada e que a passagem, não autorizada, na fronteira é punida com a pena de morte. Recusar combater para o invasor, é uma escolha difícil para todos estes jovens. As suas famílias arriscam a deportação e eles a vida.
Muitos são presos e enviados para a prisão ou para campos de concentração, alguns por terem sido denunciados. Mais de 200 morrem cativeiros dos quais 166 são executados. O maior massacre teve lugar na prisão de Sonnenburg (StonsK), na noite de 30 para 31 de Janeiro de 1945 onde 91 luxemburgueses foram fusilados.
A partir de 1942, a recusa do recrutamento compulsivo ganhava nos luxemburgueses cada vez mais desobediência e mesmo oposição. Sobretudo porque começa-se a acreditar numa possível vitória das forças aliadas. No mês de Outubro de 1942, americanos e ingleses desembarcam na África do Norte e expulsam progressivamente os alemães. Em Fevereiro de 1943 eles são também derrotados pelos soviéticos em Stalingrad. O número de desertores et de refractários aumenta sistematicamente. Os pró-alemães que ajudam o ocupante a localizar os seus esconderijos, são cada vez mais detestados e isolados. Em Julho de 1944, dois desertores matam o chefe da VdB de Junglinster. Em represália os alemães executam 10 alistados à força detidos nas prisões alemãs.
Os exércitos aliados desembarcam na Normandia em 6 de Junho de 1944. Entre as tropas que vão chegando, há a brigada Piron, composta de belgas e luxemburgueses. Paris é libertado fins de Agosto. Os aliados aproximam-se do Luxemburgo. Os funcionários alemâes deixam o país desde o primeiro de Setembro. 10.000 pró-alemães partem com eles, com medo das represálias. A libertação parece estar próxima. Em Dudelange ela começa a ser festejada cedo demais. Na noite do primeiro para o dois de Setembro os alemães lançam aí uma acção que provocou 6 mortos. Os americanos entram no Grão-Ducado a 9 de Setembro de 1944. Quatro dias depois eles tinham práticamente libertado todo o território.
Mas a guerra ainda não tinha acabado.
No dia 16 de Dezembro de 1944, é o choque. Os alemães que recuavam desde hà meses, passam à contra-ofensiva nas Ardenas. Um dos seus objectivos é o porto de Antuérpia, onde os aliados recebem os reforços, alimentos e petróleo.
O nordeste do Luxemburgo é novamente ocupado e desvastado pelos combates. Centenas de civis morrem. Localidades inteiras são destruídas. Alemães e pró-alemães desencadeiam a vingança. Muitos resistentes são presos, torturados e assassinados.
Destruição
Os americanos contra-atacam em meados de Janeiro de 1945. A última cidade a ser libertada, em 12 de Fevereiro de 1945, foi Vianden.
1945, imagens de casas destruídas 1945, imagens de casas destruídas
1945, imagens de casas destruídas 1945, imagens de casas destruídas
A batalha das Ardenas foi a mais sangrenta de toda a guerra. Cerca de 20.000 americanos são mortos, dos quais cerca de 5.000 no Luxemburgo. A maioria está sepultada no cemitério militar Americano de Hamm.
Na libertação o exército Americano gére o país com a “l’Unio’n” (Movimento Unitário da Resistência) reagrupando a LVL, LPL, e a LRL. A L’Unio’n quer reconstruir o país. Para isso ela quer começar por punir aqueles que considera os traidores. Para ela, estes são os pró-alemães, mas também os membros da elite política e económica, que permaneceu em funções durante a ocupação. Em Outubro a l’Unio’n tinha já prendido e metido na prisão 3.200 presumidos colaboradores. No dia 10 de Maio de 1945 ela mobiliza 10.000 pessoas que se manifestaram na capital.
A purga pedida pela l’Unio’n foi finalmente levada à prática pela Gão-Duquesa e pelo seu governo regressado do exílio. Ela tinha dois critérios:
- a purga administrativa englobou 18.000 funcionários e representantes de várias profissões. Estes julgamentos foram secretos e bastante simples. As penas graves não atingiram mais do que 0.2%.
- a purga política foi mais dura. Ela englobou 10.000 indivíduos acusados de terem sido pró-alemães. 12 são condenados à morte. 1.300 são condenados a mais de dois anos de prisão e foi-lhes retirada a nacionalidade luxemburguesa. Estes, com as suas famílias, formaram uma minoria detestada e excluída. Grande parte deles só recuperaram os seus direitos depois do voto das leis de amnistia de 1950 e 1955.
No dia 8 de Maio de 1945 a guerra acabou na Europa. A alegria é grande, mas o balanço é catastrófico. No Luxemburgo um terço das construções (estradas, pontes, casas, etc.) estão destruídas. Mais de 8.100 dos seus habitantes estão mortos. Milhares de outros regressam progressivamente. O choque é grande no regresso dos sobreviventes dos campos de concentração, magros como esqueletos. Os milhares de pró-alemães, que tinham fugido em Setembro de 1944, são recebidos com insultos e escarros. Os judeus luxemburgueses que sobreviveram à Shoah podem entrar no país, enquanto que os judeus estrangeiros só são autorizados a regressar em número reduzido.
Finalmente o destino dos prisioneiros de guerra luxemburgueses na URSS, provoca a raiva contra o governo, acusado de não ter feito o suficiente para os repatriar rapidamente. Os últimos prisioneiros só chegaram ao Luxemburgo em 1948.
Compensações
guerra foi devastadora para muitos e deixou memórias feridas, traumatizadas. A dos colaboradores é completamente reprimida. Os resistentes recebem um reconhecimento oficial. 1.352 recebem o “título de resistentes” e uma pensão de antigo combatente. Os desaparecidos são declarados “mortos pela pátria”. Os alistados à força só em 1981 obtêm o estatuto de “vitimas do nazismo” assim como uma compensação idêntica à dos resistentes, depois de décadas de mobilização. As indemnizações são reservadas aos luxemburgueses deixando de fora 75% dos judeus que são estrangeiros em 1940. Não têm portanto direito. Em 2015 o governo apresenta as desculpas oficiais à comunidade judaica pela colaboração de certos representantes das administrações que forneceram, ao ocupante, listas dos cidadãos judeus.
Depois da guerra, os resistentes, os alistados à força e mais tarde também as vítimas da Shoah, organizaram-se para “lamentar os seus mortos”, mas também para lutar pelo reconhecimento dos seus direitos e da sua memória. Estas organizações são sempre encorajadas pelas 2a e 3a gerações do após-guerra.
O Comité para a memória da Segunda Guerra Mundial foi criado, sob a iniciativa do governo Luxemburguês, pela lei do 21 de Junho de 2016. O seu fim é de reconciliar e unir essas memórias dolorosas e por vezes conflituais. Ele intervém, junto do Estado, em defesa dos interesses dos resistentes, dos alistados à força, da comunidade judaica e das vitimas da Segunda Guerra Mundial em geral.
Os seus membros têm também por missão de perpetuar a memória. Eles participam activamente na organização das comemorações oficiais da Segunda Guerra Mundial.
75 anos
Este ano, as comemorações do 75° aniversário da libertação do Grão-Ducado, tiveram um especial significado e foram celebradas, como em todos os anos, mas este ano com um aparato festivo mais espectacular e a participação oficial de muitos convidados de honra nacionais e internacionais. É de referenciar, em especial, o recolhimento junto do Monumento Nacional de Solidariedade Luxemburguesa à memória de todas as vitimas da Segunda Guerra Mundial, do Monumento “Kaddish” à memória das vitimas da Shoah, do Monumento Nacional da Greve de 1942, da Lápide de homenagem à coragem, à situação e ao papel das mulheres durante a ocupação. Igualmente de referir a celebração do 75° aniversário do processo de Nuremberga, inaugurado no dia 20 de Novembro de 1945, para julgar os crimes de guerra. Em Portugal, até hoje, os crimes de guerra ainda não foram julgados.
Queria também referir, aqui, duas exposições excepcionais, que estiveram patentes ao público na cidade do Luxemburgo.
A primeira, organizada pelos Arquivos Nacionais do Luxemburgo sobre Aristides de Sousa Mendes, um cônsul português entre a consciência humana e a razão de Estado. O homem que “desobedeceu”.
A exposição esteve aberta ao público desde o 28 de Novembro 2019 até ao 22 de Fevereiro de 2020.
A segunda, organizada por MemoShoah Luxembourg/neimënster/Vilar Formoso Fronteira da Paz, com a coordinação de Claude Marx/Luisa Pacheco Marques/Margarida de Magalhães Ramalho/Mil Lorang, sobre o tema “Portugal e Luxemburgo países de esperança em tempos difíceis”.
A exposição esteve aberta ao público desde 14 de Fevereiro até ao 10 de Maio de 2020.
António Paiva, Dezembro 2020
Fontes. Fotos @ créditos
- Arquivos Nacionais do Luxemburgo
- Publicações do Comité para a memória da Segunda Guerra Mundial
- Museu Nacional da Resistência – Livro “O comboio do Luxemburgo” de Irene Flunser Pimentel e Margarida de Magalhães Ramalho