DOSSIÊ ICE |Uma perspectiva cronológica
SEM FRONTEIRAS | 16 de fevereiro 2021 | DOSSIÊ ICE | José Manuel Cordeiro
A proposta de José Manuel Cordeiro para revisitarmos a imprensa clandestina e do exílio, como ele nos indica no final deste primeiro artigo de enquadramento, assenta numa estrutura cronológica coerente, ou seja percorrer cinco períodos distintos que vão de 1926 até 1974.
A nossa opção de edição do DOSSIÊ, para o tornar mais legível e consequentemente mais apropriado a uma leitura flexível, passa por publicar um artigo por período, o que não impedirá um acesso posterior ao artigo no seu corpo inteiro porque reconhecemos que para além da dimensão informativa o documento possui uma riqueza que lhe é imputada pelo seu todo e as facilidades exigidas pela disseminação não se devem sobrepor a um valor bem superior, o da investigação. CR – Coordenação Editorial
A Imprensa Clandestina e do Exílio no Período 1926-1974
por José Manuel Cordeiro
O estabelecimento do regime de censura prévia à imprensa logo após o golpe militar que derrubou a I República em 28 de Maio de 1926 colocou um intransponível obstáculo à divulgação das posições de todos os sectores políticos e partidários que não comungassem da orientação que a partir de então foi imposta ao país.
A única alternativa para ultrapassar esse bloqueio, ainda que exercida em condições extremamente difíceis, consistia na edição de publicações clandestinas, que expressassem os pontos de vista que então se procurava silenciar, solução a que, com maior ou menor eficácia, recorreram todos os sectores da Oposição durante os 48 anos do regime fascista.
Tipografias
As dificuldades para a publicação e difusão desta imprensa eram enormes, não só devido aos requisitos técnicos que a mesma exigia para ser editada, mas também porque as tipografias onde era impressa, algumas delas tão improvisadas e artesanais que dificilmente poderiam ser classificadas como tal, constituam um dos alvos preferidos da repressão. Por essas razões, muitas das publicações editadas no interior do país apresentavam uma deficiente qualidade gráfica e uma existência efémera, não raras vezes reduzidas a um ou dois números.
Avante!
Há, contudo, uma excepção que importa salientar, protagonizada pelo jornal Avante!, que durante mais de quatro décadas – de 15 de Fevereiro de 1931 ao 25 de Abril de 1974 – manteve a sua publicação regular, apenas com breves períodos de interrupção, constituindo o jornal clandestino que em todo o mundo durante mais tempo se publicou naquelas condições.
Títulos políticos e partidários
Na descrição que aqui efectuamos de alguns dos mais significativos títulos da imprensa clandestina e do exílio no período 1926-1974 privilegiou-se o carácter político e partidário dessas publicações. Foi, deste modo, excluída toda a imprensa publicada pelas diversas correntes associativas estudantis surgidas nos últimos anos do regime do Estado Novo, assim como a publicada pelas Associações de Estudantes e das comissões pró-associações nas escolas onde aquelas não existiam, a imprensa das associações, clubes e outras entidades de emigrantes portugueses publicada fora de Portugal, a não ser que as mesmas estivessem ligadas a organizações políticas, assim como a imprensa semilegal editada no interior do país.
Repertório da imprensa oposicionista
Um dos aspectos que ressalta desta abordagem ao universo desta imprensa oposicionista traduz-se na necessidade de se avançar no cumprimento da tarefa de elaborar um repertório completo da imprensa clandestina e do exílio publicada durante o período da Ditadura, Militar e Nacional, e do Estado Novo, reunindo para tal os meios necessários à sua plena execução. Deste modo, o objectivo deste artigo é o de chamar a atenção para essa dimensão pouco conhecida e insuficientemente divulgada da actividade das Oposições, que constituiu a edição de jornais clandestinos, ou no exílio, durante o regime deposto no 25 de Abril e, simultaneamente, destacar a importância e a necessidade de se elaborar esse repertório da imprensa oposicionista publicada durante o quase meio século em que a sociedade portuguesa se viu privada das liberdades fundamentais.
Cinco períodos distintos
Apresentar-se-ão, de seguida, numa perspectiva cronológica, cinco períodos distintos, cada um enquadrado por um pequeno texto que procura sintetizar algumas das suas principais características no que respeitava à publicação de imprensa clandestina. Serão também apresentados, em cada um destes períodos, uma selecção das primeiras páginas de alguns dos jornais mais relevantes, reproduzidas em fac-simile. Os períodos que irão ser abordados contemplam a
- contestação à ditadura, 1926-1933
- repressão e resistência, 1933-1941
- a crise da guerra e o fim das ilusões, 1941-1958
- o ‘terramoto Delgado e a contestação da guerra colonial, 1958-1968
- o marcelismo e a deterioração do regime, 1968-1974
José Manuel Cordeiro, 16 de fevereiro 2021
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