Exílios no Feminino em francês, uma obra coletiva
Autoras, amigos solidários e coordenador editorial colocam à disposição dos francófonos o Exils au Féminin
O António Paiva já tinha avisado os seus amigos luxemburgueses que não voltaria a apresentar livros em português no país onde reside há décadas e onde é conhecido pela sua ação militante em favor das causas antifascistas e anticoloniais. Promover debates sobre o regime salazarista e sobre a guerra colonial portuguesa, com livros em português em cima da mesa, não parecia, de facto, nada razoável perante um público quase exclusivamente originário do Grão-ducado.
Encontros de autoras em torno do livro
Mas uma coisa é declarar, outra é transformar uma mera hipótese em obra concreta. E de uma conversa inicial ainda em torno desta circunstância paradoxal surgiu a decisão de tentar. Sabíamos que tínhamos no quadro desta iniciativa pessoas particularmente audazes e sem receio de enfrentar as dificuldades. E não foram precisamente as autoras dos textos do livro, que já mostraram ao mundo o que é ser combativo e lutador, que assumiram em coletivo este novo desafio. Na verdade nem sempre foi possível ter a colaboração de todas, a vida é mesmo assim. Mas o processo de tradução constituiu uma autêntica experiência colaborativa e de construção coletiva.
Exílios no Feminino em francês, uma obra coletiva recheada de aprendizagens
A maior facilidade veio do facto do grupo ser marcadamente francófono, mas também não foi secundária a circunstância dos nossos apoios em matéria de revisão e tradução terem sido assegurados por amigos franceses particularmente competentes nestas áreas da edição que, para além do mais, viveram no passado experiências em situações politico-partidárias muito similares às que são narradas na publicação em português.
Não é difícil imaginar o que aconteceu. Circulação de textos entre autoras, reuniões de concertação, pedidos de reformulação, sessões online com os revisores franceses, almoços para realizar pontos de situação, ou seja, uma azáfama marcada pelo espírito de rigor e de exigência acompanhada pela boa disposição e a alegria de estar a fazer algo de útil, juntos.
A Irene Pimentel que nos informou no seu texto em português que a sua língua materna era, às tantas, o francês porque estudou no Charles-Pierre, teve aqui um espaço, no meio do seu intenso trabalho de historiadora, para voltar a exercitar a língua de Voltaire.
A Helena Cabeçadas, escritora, habituada as estas andanças não perdeu muito tempo a reformular versões que foram surgindo que para além das questões de sintaxe exigiam uma clarificação dos conteúdos formulados em língua portuguesa.
A Amélia Resende que também revelou uma grande paixão pelo francês encontrou aqui campo para rectificar e melhorar expressões usadas nas sucessivas versões da tradução, temas que ela domina por experiência letiva e prática social.
A Maria Emília Brederode, foi neste processo, para além de tradutora e revisora de versões semi-finais uma autêntica professora em matéria de clareza e precisão na escrita produzida em língua francesa.
A Fernanda foi mais uma vez a pivot de todas as dinâmicas, quer traduzindo, quer ainda servindo de apoio a estabilização das versões que surgiam de diversas origens, nomeadamente do trabalho colaborativo do coordenador editorial com os amigos franceses.
A Helena Rato que tanto faz na sua ação associativa permanente, marcada pelo empenho no plano humano, político e social, foi acompanhando, enviando palavras calorosas de estímulo e de incentivo.
Trabalho colaborativo e além fronteiras
Na véspera de Natal recebemos uma mensagem no WhatsApp de um dos revisores-tradutores de Paris. Informava que queria acabar o Capítulo 2 antes do jantar da consoada! Não queríamos acreditar que o Exílios no Feminino estava a contaminar pessoas e famílias de outra nacionalidade de forma tão intensa.
É possível assim imaginar o espírito coletivo que esteve na base de toda a atividade de produção de uma nova obra, saída das mãos de quem a produziu no passado e que não hesitou em colocar à disposição de uma entidade luxemburguesa os conteúdos da sua autoria, para esta utilização circunstancial, como o fizera há um ano atrás para uma associação e para a editora que o publicou.
Há quem nos pergunte porque é que nós mantemos este espírito de voluntariado e de contributo sem contrapartidas nas questões editoriais. A resposta é simples: procuramos contribuir, à nossa maneira e em plena liberdade, para que não regressem do passado velhos fantasmas ditaturiais e totalitários que procuram na ação política concreta matar a democracia e aprisionar a liberdade.
Capa do livro Exils au Féminin, edição CDMH-Centre de Documentation des Migrations Humaines, brevemente nas bancas, nos países francófonos.
O NSF – Notícias Sem fronteiras apoia a divulgação do livro e as sessões de apresentação que serão realizadas já a partir de março 2024.