O Teatro Operário e o 18 de janeiro 1934
DOSSIÊS SF | TRL – TERRAS DE RESISTÊNCIA E LUTA – N1 Janeiro 2022 | Marinha Grande
Existe uma relação umbilical entre o Teatro Operário de Paris e os acontecimentos do 18 de janeiro que ocorreram na Marinha Grande em 1934. Podemos falar de uma operação de desocultação que não lembrava ao diabo. Mas o que é que levou um grupo heterogéneo de militantes, operários, ex-estudantes, desertores, exilados a desenterrar um tema que estava bem guardado no esquecimento de conveniência de todos aqueles que entretanto se tinham apaixonado pelo suave caminho da oposição elegante ao regime ditaturial?
Tivemos que recuperar os textos e os testemunhos possíveis sobre esta relação tida por explosiva para iniciar a dar resposta a uma interrogação que surge com toda a legitimidade. O que sabemos é que entretanto uma espécie de abraço fraternal foi dado entre o TO e a Marinha Grande porque a realização dos Encontros Imaginários na ACR – Associação Cultural e Recreativa da Comeira, juntando gente da terra e Hélder Costa, foi a prova evidente que valeu a pena.
Começamos por realizar uma curta e singela homenagem a um ator, um militante, um homem bom que foi a cara e a alma das situações mais marcantes da peça do 18 de janeiro de 1934 nas inúmeras representações que o Teatro Operário realizou. Estamos a falar de CÂNDIDO FERREIRA. Aqui fica um abraço e uma foto desses tempos da autoria do José Martins.
TEATRO OPERÁRIO DE PARIS
por Hélder Costa
VÍDEO – José Torres | ex-membro do Teatro Operário de Paris
Paris, fim dos anos 60.
Um milhão de portugueses, fugidos à fome, à Pide, à guerra colonial, e também alguns que, muito simplesmente, procuravam a liberdade de viver e de pensar.
A interrogação para os que já tinham actividade política em Portugal, e que tinham aceitado essa graciosa “bolsa de estudos ” do Salazar, era o que fazer com essa enorme massa de emigrantes.
Ao lado da actividade política partidária, era evidente ser necessário criar formas de Associativismo, de animação cultural e de apoio social e educacional.
Entre as iniciativas mais influentes contava-se a Liga Portuguesa para o Ensino, apoiada pela sua congénere francesa, de espírito laico e republicano.
Aí se desenvolveu um grupo de teatro, se criou um jornal, e também aí a acção se foi estiolando como consequência de guerras entre grupos políticos.
As divergências eram várias entre os exilados .
Falando de teatro, havia quem pensasse fazer peças que fossem autorizadas pela Censura em Portugal (!) ; outros, apresentavam peças no centro de Paris, destinadas à intelectualidade portuguesa emigrada e aos seus amigos franceses ; e até havia, uma escória (que eu me recuso a pôr ao mesmo nível destes “caminhos diferentes” com quem estou em desacordo), que tentava (e conseguia) obter patrocínios do consulado de Portugal para formar “um teatro para os portugueses” – tentativa sempre falhada, tanta era a incompetência dos seus ” empreendedores” e a impopularidade do projecto.
O COMEÇO DO GRUPO
O minúsculo grupo que arrancou com a ideia do “Teatro Operário” tinha outros planos: era preciso levar o teatro, a música, a cultura, a arte, a agitação política, os jornais anti-fascistas, a alfabetização, a ajuda social, a quem mais precisava de tudo isso: as centenas de milhares de emigrantes que se empilhavam em bairros de lata e foyers miseráveis.
E 1970, com “Histórias para serem contadas” de Oswaldo Dragún, assinalou a nossa estreia.
O trabalho era difícil? Era. Principalmente, porque era preciso vencer o medo dos emigrantes, e combater os provocadores que, desde a estreia do grupo apareciam com bandeirinhas portuguesas (como se vê, também tinham tendência para a teatralidade!), tentando expulsar os “agitadores que tinham terminado com o belo sossego daquele recanto”. Nada feito. O público dava todo o apoio para nós refilarmos, e não perdíamos a ocasião…
Resultado: no fim do espectáculo, havia debate e convidavam-se eventuais interessados em aderir ao trabalho de teatro. Uns, ficavam a organizar um grupo nesse local, e para isso, um dos elementos do “Teatro Operário” reservava umas noites por semana para dar o primeiro empurrão aos novos artistas. Outros, mais livres, aderiam ao “Teatro Operário” e passavam a fazer parte do grupo.
Em seis meses criaram-se dois grupos nos arredores, e o grupo passou de cinco para 17 elementos. E, ao mesmo tempo, deram-se 40 espectáculos.
Convém informar que toda esta gente não recebia nenhum subsídio da Secretaria de Estado da Cultura, nem de nenhum partido político nacional ou estrangeiro; os espectáculos eram gratuitos, e todas as despesas eram suportadas militantemente por cada elemento do grupo; convém também informar que isto não era nada de excepcional, dado que todos os elementos eram trabalhadores com salário garantido. (E os desempregados, que também havia, eram ajudados como calhava, pelo colectivo)
Lá diz o povo, “quem corre por gosto, não cansa”. Mas isso já é outra conversa.
18 DE JANEIRO DE 1934
Este foi o título do 2º espectáculo, já seguindo a linha da tentativa de criação colectiva.
Porquê procurar a “criação colectiva”?
Porque nenhum de nós tinha experiência suficiente para definir uma linha dramatúrgica ou estética, e fundamentalmente porque o trabalho no teatro tinha também objectivos pedagógicos (melhor dizendo, de politização, de tentativa de criar futuros militantes anti-fascistas).
E foi assim que se escolheu estudar essa data do movimento revolucionário português, um acontecimento único: os operários da Marinha Grande, reagindo contra a fascização dos Sindicatos ordenada por Salazar, prenderam a Guarda Republicana e o chefe dos Correios, e durante algumas horas implantaram o soviete da Marinha Grande!
A repressão foi implacável, e muitos terminaram os seus dias no Tarrafal.
Como se depreende pelo tema e seu resultado, não poderia haver a glorificação cega da acção; mas era necessário, nesses tempos de absoluta passividade partidária e cívica, dar a conhecer marcos da luta popular para que as massas se mobilizassem e começassem a criar a consciência da necessidade da revolta. Mesmo que fossem derrotas.
Começou-se pelo princípio: recolha dos documentos da época, tanto de militantes que tinham participado, como de textos oficiais do Governo, discursos de Salazar, etc.
Seguiu-se a subdivisão do grupo em pequenas equipas, responsáveis pela escrita de cenas previamente discutidas e seleccionadas.
E depois, os ensaios, onde tudo era rediscutido e posto em causa… até à gloriosa estreia em 1971, num centro de apoio ao bairro de lata de Nanterre (Paris).
Nessa altura, já começávamos a ter uma espécie de rede por onde circulávamos com as peças: foyers, casas de cultura, clubes portugueses (que ajudávamos a construir e que, em muitos casos, estavam ligados a igrejas católicas ou protestantes), sindicatos…
Com o 25 de Abril, esta peça teve ampla divulgação com várias montagens em meios Universitários e Associações populares, o que demonstra a verdade do que julgávamos importante: divulgar momentos da História que sempre tinham sido ocultados pelo fascismo.
A peça de Teatro 18 de Janeiro de 1934 foi representada depois do 25 de Abril em Portugal:
Estreia: 14 de setembro de 1971, pelo Teatro Operário num centro de apoio ao bairro de lata de Nanterre (Paris)
Outras montagens:
1974 e 1975
Teatro Universitário do Porto
Grupo de Teatro do Formigueiro (Águas Santas- Porto)
Grupo de Teatro de Chão Duro (Moita)
Grupo de Teatro dos CTT – Lisboa
Grupo de Teatro do Pendão (Queluz)
1976
Grupo Coral e Cénico de Santo Amaro (Lisboa).
TEXTO SOBRE O TEATRO OPERÁRIO DE Hélder Costa
Vídeo com narrativa sobre o Teatro Operário – José Torres ex-membros do Teatro Operário de Paris
Vozes nos vídeos com textos da peça de teatro do 18 de janeiro de 1934 – Sandra Veiga, Fernanda Marques e Carlos Ribeiro.
Fonte documental | Brochuras do Teatro Operário
João Teixeira e Carlos Ribeiro.