14 de Outubro, 2024

TRIBUNA |Prioridade só há uma, combater a extrema-direita

SEM FRONTEIRAS | 3 de dezembro 2020 | TRIBUNA | O contributo da História para a denúncia do nazismo. Irene Pimentel, historiadora, fornece-nos com este seu texto sobre as perseguições, as discriminações e o assassinato dos ciganos pelos nazis, elementos fundamentais para, na atualidade, combater a extrema-direita. Recuperamos, em introdução, o sentido de alerta que a própria quis associar à sua reposição pública.

Das perseguições e discriminações ao assassinato dos ciganos pelos nazis

A propósito de pessoas que se reclamam da direita conservadora liberal e que defendem a extrema-direita, reponho aqui este meu texto sobre a perseguição aos ciganos na Alemanha nazi. E lembro que Hitler chegou ao poder, nomeado pelo Presidente da República Hindenburg, a pedido dos conservadores reaccionários e “liberais”, pois queriam primeiro acabar com os “comunistas” e “socialistas”. Depois – asseguravam – controlariam os nazis (!!)

Por Irene Pimentel*

O Holocausto (ou Shoá) constitui a tentativa de genocídio de todos os judeus europeus, cerca de seis milhões dos quais foram assassinados às mãos dos nazis e dos seus cúmplices. No entanto, como se sabe o regime nazi assassinou muitos outros seres humanos, entre os quais prisioneiros de guerra soviéticos e sobretudo ciganos.

O caso do assassinato em massa de ciganos pelo nazismo de etnias Roma e Sinti é complexo e pouco estudado.

Porquê, ciganos?

Desde logo a ideologia racista nazi distinguia diversas categorias entre os ciganos, conforme o seu modo de vida. Na ficção nazi da “raça alemã ariana pura”, esta tinha origem indo-europeia, a mesmo que os ciganos, mas estes teriam particularidades raciais que tornava muitos deles nómadas associais, escroques, ladrões e pedintes. Efectivamente, os nazis teorizaram que, com a excepção de uma minoria que deveria ser preservada devido à sua «pureza» racial, a maior parte dos ciganos, que haviam sido corrompidos no seu «arianismo» por misturas raciais, eram considerados «associais» e, como tal, também foram deportados para campos de concentração, e até para os centros de morte da «operação Reinhard», onde foram liquidados.

Deportações e locais de morte

Os nazis terão deportado mais de 30 000 dos 35.000 ciganos Roma, que viviam no Grande Reich, para centros de morte (Chelmno, Belzec, Treblinka, Sobibor e Auschwitz-Birkenau).

Em 27 de Abril de 1940, mais de 3.000 ciganos foram transferidos para a chamada secção cigana do gueto de Lodz, no Governo-Geral da Polónia ocupada. A estes, juntaram-se cerca de 2.000 ciganos deportados de Áustria, o que perfez cerca de 5.000, nesse gueto. Os sobreviventes viriam a ser assassinados, a partir de 16 de Janeiro de 1942, no centro de morte de Chelmno (Kulmhof), pelo destacamento «especial» Lange. Outros locais de morte de ciganos foram Ponary, Babi Yar e o campo de morte de Belzec, onde foram assassinados muitas centenas deles, entre 17 de Março e o fim de 1942.

O decreto de Himmler

Em 16 de Dezembro deste ano, Himmler emitiu o decreto Auschwitz Erlass, ordenando a deportação de todos os ciganos que viviam no Grande Reich alemão, através do qual viriam a ser assassinados mais de 80 % dos ciganos da Alemanha, Áustria, Holanda, Luxemburgo, Bélgica do norte, Pas-de-Calais, bem como do Protectorado da Boémia-Morávia. Deste Protectorado (hoje República Checa), foram previamente concentrados nos campos de Lety e de Hodonin, antes da deportação para Auschwitz-Birkenau. Desse Auschwitz Erlass, viria também a resultar a chegada de 18.000 de etnia Roma ao chamada «campo das famílias» ciganas (Section BII) de Birkenau, em 26 de Fevereiro de 1943. Estes ciganos que «entraram» – sem serem de imediato mortos – no campo de Birkenau ficaram detidos cerca de um ano, no decurso do qual ¾ deles morreram devido às terríveis condições de vida.

Os guardas da SS tentaram liquidar o «campo» cigano, em 16 de Maio de 1943, mas não conseguiram, pois prisioneiros armados recusaram sair das barracas.

No entanto, a SS liquidaria o Zigeunerlager Birkenau (campo cigano, section BII), com cerca de 3.000 presos, na noite de 2 para 3 de Agosto de 1944. No total, terão sido assassinados em Birkenau cerca de 23.000 ciganos, com excepção de alguns entre os 16 e 45 anos, que foram “seleccionados” para o trabalho forçado em Buna-Monowitz. Estima-se que em todo o complexo de campos de Auschwitz terão sido assassinados cerca de 21 000 dos 23.000 deportados para Birkenau, 2.000 dos quais morreram de tifo, sem serem registados.

Entre cerca de 200.000 e meio milhão

O número de ciganos mortos pelos nazis oscila entre cerca de 200.000 e meio milhão. O primeiro número é referido pelo historiador alemão Michael Zimermannn, afirmando que a perseguição dos ciganos da Grande Alemanha foi monopolizada pela Polícia Criminal nazi (Kripo- Kriminal Polizei). Juntamente com as instâncias de higiene racial, esta polícia assimilou os grupos de ciganos Roma e Sinti «a criminosos profissionais ou habituais», atribuindo um fundamento racial ao conceito de marginalidade.

Irene Pimentel

Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, mestre em História Contemporânea (século XX) e doutorada em História Institucional e Política Contemporânea, pela NOVA FCSH. É investigadora do IHC (NOVA FCSH).

Foto de destaque © publicada no blogue Mão Própria

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